Isaac o Sírio – Treinamento Espiritual §§41-50

Isaque da Síria (Nínive) — Direções em Treinamento Espiritual

Curtos excertos traduzidos do livro “Early Fathers from the Philokalia”

41. Aquele a quem foi dado provar a doçura da fé, e que depois retorna ao conhecimento no nível da alma, assemelha-se a quem encontrou uma pérola de grande valor e a trocou por uma moeda de cobre; ou ainda a quem abandonou a liberdade de ser senhor de si mesmo e retornou a um estado miserável de temor e escravidão.

42. Existem três modos pelos quais o conhecimento sobe e desce. Esses modos são: corpo, alma e espírito. O conhecimento é dom de Deus à natureza dos seres racionais e foi concedido a eles desde sua criação. Em sua natureza, é tão simples e indivisível como a luz do sol, mas conforme sua aplicação, sofre mudanças e divisões. Ouça-se a ordem dessa aplicação.

43. O primeiro grau do conhecimento. Quando o conhecimento segue os desejos da carne, abraça os seguintes modos: riqueza, vanglória, adornos, conforto corporal, cuidado com os estudos literários, como os adequados à administração deste mundo e à produção de coisas novas através de invenções, artes e ciências, e todas as outras coisas que coroam o corpo neste mundo visível. Por causa dessas características distintivas, o conhecimento torna-se oposto à fé. Chama-se conhecimento nu, pois exclui toda preocupação com Deus, devido à preponderância do corpo, introduz na mente uma impotência irracional e limita toda sua preocupação a este mundo apenas.

É assim que esse conhecimento se concebe: como se fosse um poder mental que governa secretamente o homem, uma espécie de administração divina que vigia o homem e cuida dele perfeitamente. Portanto, esse conhecimento não atribui o controle do mundo à Providência de Deus; pelo contrário, tudo o que é bom no homem, tudo o que o salva do mal, tudo o que naturalmente o protege das dificuldades e das muitas adversidades que acompanham nossa natureza, tanto secretamente quanto abertamente, tudo isso parece a esse conhecimento ser resultado de seu próprio cuidado e de seus próprios métodos.

Tal é a opinião que esse conhecimento blasfemo tem de si mesmo. Imagina que todas as coisas acontecem por sua própria providência; e nisso concorda com aqueles que afirmam que nada governa este mundo. Ainda assim, não pode existir sem cuidados constantes e sem temores pelo corpo, e é, portanto, presa do desânimo, da tristeza, do desespero e dos temores: temores que vêm dos demônios, temores que vêm dos homens, rumores sobre ladrões, rumores sobre assassinatos, preocupações trazidas por doenças, por necessidade e falta dos meios de vida, medo da morte, medo dos sofrimentos e das feras, e de outras coisas semelhantes — tudo o que torna esse conhecimento como um mar turbulento, no qual os marinheiros passam dias e noites, sem descanso dos ataques e golpes das ondas de todos os lados.

Como esse conhecimento é incapaz de colocar todo cuidado de si mesmo em Deus, através da fé e da confiança nEle, está constantemente ocupado em desenvolver e inventar vários artifícios relacionados a si mesmo. Mas quando esses artifícios falham em algum caso, não se vê nisso a mão misteriosa da Providência, e começa-se a discutir com as pessoas que resistem ou se opõem a ele. Nesse aspecto, está implantado nesse conhecimento a árvore do conhecimento do bem e do mal, a árvore que arranca o amor. Suas qualidades são o orgulho e a arrogância. É inchado, embora caminhe nas trevas, valoriza o que tem por padrões terrenos e não sabe que existe algo melhor do que si mesmo.

44. O segundo grau do conhecimento. Quando alguém renuncia ao primeiro grau, ocupa-se com pensamentos e desejos da alma; então, à luz da natureza de sua alma, pratica as seguintes obras excelentes: jejum, oração, esmolas, leitura das Escrituras Divinas, vida virtuosa, luta contra as paixões e assim por diante.

Pois todas as boas obras, todas as excelentes características vistas na alma e os meios maravilhosos usados para servir na casa de Cristo neste segundo grau de conhecimento são obra do Espírito Santo, que dá poder à sua ação. Ao mesmo tempo, esse conhecimento também mostra ao coração os caminhos que levam à fé e recolhe nele o que é útil para a jornada rumo à verdadeira vida.

Mas mesmo aqui o conhecimento ainda é material e múltiplo. Contém apenas o caminho que leva e acelera em direção à fé. Há ainda um grau mais alto de conhecimento. Se alguém alcançar sucesso em seu trabalho, com a ajuda de Cristo será possível elevar-se a esse terceiro grau, se tiver lançado o fundamento de sua atividade no silêncio e no afastamento das pessoas, na leitura das Escrituras, na oração e em outras boas obras, pelas quais se alcança tudo o que se relaciona ao segundo conhecimento. É por esse conhecimento que tudo o que é mais belo é realizado; de fato, chama-se conhecimento das ações, porque por ações sensoriais, através dos sentidos do corpo, realiza seu trabalho no nível externo.

45. O terceiro grau do conhecimento é o grau da perfeição. Ouça-se agora como alguém se torna mais refinado, adquire o que é do espírito e em sua vida passa a assemelhar-se aos poderes invisíveis, que realizam seu serviço não por ações sensoriais, mas pela vigilância da mente. Quando o conhecimento eleva-se acima das coisas terrenas e das preocupações das atividades terrenas, quando começa a experimentar pensamentos pertencentes ao que está dentro e escondido dos olhos, quando surge para cima e segue a fé em sua solicitude pela vida futura, em seu desejo pelo que nos foi prometido e em sua busca profunda pelos mistérios que estão ocultos; então a fé transforma-se e gera-o novamente, absorve esse conhecimento, de modo que esse conhecimento torna-se todo espírito.

Então pode elevar-se em asas para os reinos do incorpóreo e tocar as profundezas do mar intangível, representando à mente as maravilhosas obras do governo divino nas naturezas das criaturas incorpóreas e sensoriais; pode investigar os mistérios espirituais, acessíveis a uma mente refinada e simples. Então os sentidos internos despertam para a ação espiritual, de acordo com a ordem que prevalecerá na vida imortal e incorruptível; pois então, por assim dizer, experimentou-se uma ressurreição espiritual ainda neste mundo, como um verdadeiro sinal da ressurreição geral.

46. Esses são os três modos do conhecimento. Desde o momento em que alguém começa a distinguir o bem do mal, e até deixar este mundo, o conhecimento de sua alma permanece dentro desses três graus. A plenitude de todo erro e impiedade, e a plenitude da justiça, e a sondagem de todas as profundezas dos mistérios do espírito, tudo isso é produzido por um único conhecimento nesses três graus; nele está contido todo movimento da mente, seja ascendendo ou descendo, no bem, no mal ou em algo intermediário. Esses três graus são chamados pelos padres de conhecimento natural, contranatural e supranatural. São as três direções pelas quais a memória de uma alma racional viaja para cima e para baixo, seja quando, como foi dito, alguém age corretamente a partir de sua própria natureza, seja quando pela memória é arrebatado para o alto, acima de sua natureza, na contemplação supranatural de Deus, ou quando sai para pastorear porcos, tendo esbanjado as riquezas do bom juízo, escravizando-se a uma multidão de demônios.

47. O primeiro grau do conhecimento deixa a alma fria em relação aos esforços para caminhar segundo Deus. O segundo aquece a alma, acelerando seu progresso em direção ao que está no nível da fé. O terceiro é o descanso da atividade, desfrutando dos mistérios da vida futura, em um único esforço da mente. Mas como nosso ser ainda é incapaz de transcender completamente seu estado de inércia e o fardo da carne, assim, enquanto alguém vive no corpo, permanece em um estado constante de mudança de um para outro. Agora, como um miserável mendigo, a alma começa seu serviço no segundo, o grau médio da virtude; agora, como aqueles que receberam o espírito de adoção no mistério da libertação, alegra-se na qualidade da graça espiritual que corresponde ao seu Doador; então novamente retorna às suas humildes obras realizadas com a ajuda do corpo. Pois não há liberdade perfeita nesta vida imperfeita.

48. No segundo grau, o trabalho do conhecimento consiste em exercício prolongado e laborioso. O trabalho no terceiro grau é a ação da fé, realizada não por ações, mas por representações espirituais na mente, em uma atividade que é puramente da alma, pois transcende os sentidos. Por fé não se entende a fé em relação às distinções das Hipóstases Divinas que adoramos, ou o milagre da dispensação através da Encarnação na natureza humana, embora essa fé também seja muito elevada; entende-se aquela fé que é acesa na alma a partir da luz da graça e que fortalece o coração pelo testemunho da mente, dando-lhe a certeza da esperança que está livre de toda dúvida. Essa fé manifesta-se não pelo aumento da audição dos ouvidos, mas pelos olhos espirituais, que veem os mistérios ocultos na alma, aquele tesouro divino invisível, que está escondido da vista dos filhos da carne e é revelado pelo Espírito àqueles que recebem seu alimento da mesa de Cristo e aprendem Suas leis. Como disse o Senhor: “Se guardardes os meus mandamentos, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber… ele vos ensinará todas as coisas” (Jo 14:17, 26).

49. Ainda outra distinção entre os diferentes tipos de conhecimento.

O conhecimento que se preocupa com o visível, ou que recebe através dos sentidos o que vem do visível, chama-se natural. O conhecimento que se preocupa com o poder do imaterial e da natureza das entidades incorpóreas dentro de alguém chama-se espiritual, porque as percepções são recebidas pelo espírito e não pelos sentidos. Por causa dessas duas origens (percepções do visível e do espiritual), cada tipo de conhecimento chega à alma de fora. Mas o conhecimento concedido pelo poder divino chama-se supranatural; é mais insondável e mais alto que o conhecimento. A contemplação desse conhecimento vem à alma não da matéria, que está fora dela, como no caso dos dois primeiros tipos de conhecimento; manifesta-se e revela-se nas profundezas mais íntimas da própria alma, imaterialmente, de repente, espontaneamente e inesperadamente, pois, segundo as palavras de Cristo, “o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17:21). Não alimenta a esperança com nenhuma imagem antecipadamente, nem sua vinda pode ser observada: mas dentro da imagem impressa na mente oculta, revela-se por si mesma, sem pensamento. O primeiro tipo de conhecimento resulta do trabalho constante e diligente de aprendizado; o segundo resulta da vida reta e da fé racional; o terceiro é dado apenas à fé, que põe de lado o conhecimento e põe fim às ações.

50. Não se duvide do poder de nossas orações nos serviços estabelecidos, se acontecer que as orações ou a leitura horária não sejam seguidas por forte estímulo e contrição constante.