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EVANGELHO DE JOÃO — CAPÍTULO X

PASTOR E OVELHAS

Na terceira secção (vv. 22-42) entramos num tempo diferente, como já referenciamos, o da festa da Purificação do Templo. Também já apontamos o fato da textualidade de 7-10,21 ser apresentada no contexto litúrgico da festa dos Tabernáculos no Templo de Jerusalém. O fato do autor situar a doutrina de Jesus sobre a sua identidade no lugar do Templo em quatro capítulos é muito importante uma vez que o Templo identificava a ortodoxia judaica de então. Assim se compreende a passagem da festa dos Tabernáculos à festa da Dedicação. O tempo é diferente, o lugar é o mesmo e a doutrina centra-se uma vez mais na identidade de Jesus.

A festa da Dedicação do Templo remonta ao tempo de Judas Macabeu no ano 165 a.C. (1Mac 4,36-58). Fora profanado pelo rei Antíoco Epifanes. A festa tinha lugar em Dezembro, e é por isso que Jo 10, 23 anota “Era Inverno.”

O que une 10, 1-21 a 10, 22-42 é a referência nos vv. 26-27 às “ovelhas”: “As minhas ovelhas escutam a minha voz; eu conheço-as e elas seguem-me. Dou-lhes a vida eterna, e nem elas hão-de perecer jamais, nem ninguém as arrancará da minha mão.” O tema da vida que o bom pastor entrega pelas suas ovelhas e o tema da pertença das ovelhas ao pastor é o mesmo na segunda e terceira secção (vv. 11. 14. 28). Mas tudo isto acontece por causa do tema central, o Pai.

Nesta terceira secção, os judeus formulam duas perguntas a Jesus, a quem Jesus responde sempre com a referência ao Pai.

1) “Até quando nos deixarás na incerteza? Se és o Messias, di-lo claramente.”Jesus respondeu-lhes:“Já vo-lo disse, mas não credes. As obras que eu faço em nome do meu Pai, essas dão testemunho a meu favor” (vv. 24-26) … “Eu e o Pai somos Um” (v. 30). Então, os judeus voltaram a pegar em pedras para o apedrejarem. Jesus replicou-lhes: 'Mostrei-vos muitas obras boas da parte do Pai…“ (v. 31-32).

2) “Responderam-lhe os judeus: 'Não te queremos apedrejar por qualquer obra boa, mas por uma blasfêmia: é que tu, sendo um homem, a ti próprio te fazes Deus.' Jesus respondeu-lhes: 'Não está escrito na vossa Lei: 'Eu disse: Vós sois deuses? (SI 82,6)… a mim, a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo… Se não faço as obras do meu Pai… o Pai está em mim e eu no Pai” (vv. 23-38).

Esta doutrina aparece igualmente nos Sinópticos e em Paulo, mas menos desenvolvida. O querigma das comunidades primitivas não se interessava exclusivamente pela questão soteriológica da Lei mais Jesus (judeo-cristãos) ou só por Jesus sem a Lei (Paulo), mas, igualmente, pela identidade de Jesus, em contraste com a Lei-Moisés e em unidade com Deus-Pai. A problemática tomou acentos de grande discussão nas comunidades joanicas como demonstram as três cartas de João, sobretudo a primeira (1Jo 1, 23: “Todo aquele que nega o Filho fica sem o Pai; aquele que confessa o Filho tem também o Pai”; 4, 14: “Nós o contemplamos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo”).

No v. 36, a afirmação: “a mim, a quem o Pai consagrou (êgiasen) e enviou ao mundo…” enquadra a identidade de Jesus com a festa da Dedicação. O verbo hagiazein significa literalmente “santificar” como na oração do Pai Nosso : “Santificado seja (hagisthètô) o teu Nome” (Mt 9, 1). Não se trata de tirar do pecado para a santidade mas de mostrar o “Nome”-Pessoa como o Santo de Deus no meio das nações. Em Jo 10,36, se o Pai consagrou e enviou ao mundo o Filho é para que o Santo salve o mundo. A salvação já não vem pela Lei-Moisés mas pelo Santo-Enviado.

A terceira secção termina, como muitas outras que já vimos, pela observação final do redator sobre as reações a tal doutrina: ”…procuravam de novo prendê-lo… Jesus voltou a retirar-se para a margem de além-Jordão… Muitos vieram ter com Ele e comentavam: 'Realmente João não realizou nenhum sinal, mas tudo quanto disse deste homem era verdade.' E muitos acreditaram nele.“ (vv. 39-42). O fato do redator referir o espaço da Transjordânia e a pessoa de João Batista (cf.Jo 3, 22-24) indicia a importância seja de João Batista seja dos “batistas” cristãos nas comunidades joanicas.