Epístola do Conselho Privado

ASCETISMO E MISTICISMO — EPÍSTOLA DO CONSELHO PRIVADO (JWPW)

Entre os tratados compostos pelo autor anônimo da Nuvem do Desconhecido encontra-se esta pequena joia do misticismo medieval. A epístola se apresenta guardando a coesão doutrinal tanto externa como interna do corpus da Nuvem do Desconhecido. O autor deste corpus transmite a sua confiança no pensamento de Dionísio o Areopagita como integralmente dependente do ensinamento evangélico de Paulo Apostolo, não só quanto ao que suas cartas apresentam como naquilo que foi confidenciado a Dionísio para transmissão a iniciados e contemplativos cristãos, tais como Timóteo. Não apenas isto, mas também a oração própria à vida contemplativa mais elevada é o tema do autor, assim como “nossos antigos padres antes de nós escreveram e ensinaram no tocante ao que é o fruto e florescer da Sagrada Escritura”.

Outro ponto importante a considerar é o possível relacionamento entre o processo contemplativo ensinado pelo corpus da Nuvem do Desconhecido e a espiritualidade que recebeu o título de Devotio Moderna. O manual da Devotio Moderna é reconhecidamente a Imitação de Cristo escrito entre 1360-1380, assim contemporâneo do corpus da Nuvem do Desconhecido.

Embora a Epístola do Conselho Privado em muitas formas tenha a aparência de um tratado metafísico (neoplatônico) e teológico (apofático) centrado na contemplação anagógica, é na verdade aquilo que o próprio autor declara: um relato detalhado de como este filho espiritual do autor deveria habitualmente praticar a “ocupação interior”, a oração própria à vida contemplativa eremítica. Aquilo que foi descrito em detalhe e adornado com muitas digressões na Nuvem do Desconhecido, onde o mesmo autor lida com tudo que a ele ocorre de suas leituras, reflexões — sua lectio divina no sentido mais completo —, e em particular sua longa e variada experiência como diretor de contemplativos, aporta ele agora em benefício o leitor da epístola.

Quando o autor na Epístola do Conselho Privado tenta descrever tanto a experiência real de conhecer Deus através do desconhecimento, quanto o caminho negativo e afetivo que leva a ele, não está fazendo mais do que traduzir para a linguagem do final da Idade Média a descrição dada por Agostinho mil anos antes, do que parece ser sua própria experiência: Se alguém pudesse silenciar os apetites clamorosos da carne e acalmar as percepções da terra, das águas e do ar; se pudesse silenciar a própria abóbada celeste; e se a própria alma se calasse diante de si mesma, deixando de pensar em si para elevar-se acima da consciência de si; se pudesse silenciar todos os sonhos e imagens que a mente pode conceber; se pudesse aquietar todas as línguas, sinais e símbolos passageiros — pois todos estes dizem a quem os escuta: “Nós não nos fizemos a nós mesmos, mas foi Aquele que permanece para sempre quem nos criou” — e se, depois de assim falarem, ficassem em silêncio após dirigir a atenção da mente para Aquele que os fez, e se Ele então falasse sozinho, não através deles, mas por Si mesmo, para que pudéssemos ouvir Sua Palavra, não por língua humana, nem pela voz de um anjo, nem por som que vem da nuvem, nem por qualquer aparência enganadora, mas que pudéssemos ouvi-Lo sem essas coisas, a Ele mesmo em Seu próprio Ser — Aquele cuja presença amamos nas coisas criadas — para que O ouvíssemos agora com nosso espírito ao nos lançarmos com impulso rápido do pensamento para aquela Sabedoria Eterna que permanece imóvel além de todas as coisas; se este movimento continuasse, e todas as outras visões se dissipassem como totalmente desiguais; e esta única visão arrebatasse o contemplador, mergulhando-o e atraindo-o para essas alegrias interiores, de modo que a vida pudesse ser para sempre como aquele momento fugaz de consciência que tanto desejamos — não seria isto “Entrar na alegria do teu Senhor”?