ECKARTSHAUSEN E A TEOSOFIA CRISTÃ (FETC) — DEUS
Eckartshausen parece ter compreendido bem a ideia sofiológica fundamental. Ela se apresenta nele de forma bastante simples, expressa de uma maneira muito mais afetiva e intuitiva do que conceitual. A noção de Sophia, ou Sabedoria Divina, mereceria aqui todo um capítulo de introdução; mas esse trabalho já foi tentado, pelo menos parcialmente; bastará remeter-se a ele. Eckartshausen, desde suas primeiras obras, fala frequentemente da Sophia; veremos que ele cita de bom grado as passagens escriturísticas a seu respeito; mas é preciso esperar suas últimas obras, e particularmente A Nuvem sobre o Santuário e Dos mistérios mais importantes da Religião para encontrar nele uma sofiologia ao mesmo tempo pessoal, raciocinada e estruturada; ao mesmo tempo, Böhme começa a exercer sobre ele uma influência inegável. Eckartshausen explica que Deus precisa se comunicar e que essa necessidade — motivo da criação — tornou necessária uma matéria passiva servindo de suporte e destinada a firmar o Reino do futuro mundo dos Espíritos; mas como não havia nada fora da tríade divina, Deus de certo modo saiu de si mesmo a fim de dar à criação sua primeira fundação espiritual. É a palavra de Deus; a produção divina e espiritual que dela resulta é o Verbo no princípio. Como tudo, em Deus, é vivo e real, esse Verbo é uma essência verdadeira, espiritual e animada por Deus, ligada a Deus como o órgão é ligado à força. Essa substância espiritual, esse organum ou sensorium Dei é chamado Sabedoria pela Escritura; essa Sabedoria permite a Deus manifestar-se como energia das energias, princípio ativo de todas as coisas. O Verbo torna-se então em Deus como algo passivo e feminino que lhe serve de espelho para gerar e conhecer todas as formas e as ideias de todas as coisas possíveis. Essa Sabedoria, esplendor de Deus, estava no princípio; em seu seio, os materiais da criação existem apenas em potência, mas tornam-se realidade graças aos sete Espíritos que rodeiam o trono de Deus e que estão submetidos Àquele que tem poder sobre o céu e a terra. Por esses sete Espíritos, essas sete energias ou ações, Deus produz tudo esplendor como substratum e passivum da divindade. O homem participa dessa Sabedoria; o verdadeiro alimento do homem não são alimentos perecíveis destinados a um corpo; é a substância etérea, o corpo de luz de Jesus Cristo, o ser inteligente e ativo da natureza, que a Escritura chamava Sabedoria, segundo os judeus o Messias, segundo os antigos sábios a Sophia. Esse ser unido ao Logos divino, e que regenera tudo, é a corporeidade (Leiblichkeit) glorificada de Jesus passando na natureza inteira, desenvolvendo todas as energias, onipresente e geradora de Deus; no espírito, é sabedoria e inteligência, no coração amor e graça; no físico, ser “regenerador” que se apresenta como luz e calor. Essa substância é atraída para o espírito do homem pela fé em Jesus: ela então faz renascer em nós a razão e considerar as coisas sob um ângulo totalmente novo. A iluminação (Erleuchtung) é a ação do Logos divino sobre o espírito do homem. Quanto ao espírito de Deus, dentro das próprias coisas, envolvido na substância etérea que lhe serve de forma e instrumento, ele dirige o Universo, o guia e pode-se dizer que sua Unidade se “derrama” em todos os números da Natureza; desse centro emanam (ausgehen) todos os raios do Universo. Esse sal de Luz, pode-se bebê-lo; assim pode-se provar essa bebida miraculosa que enche de sabedoria o coração de Esdras. É o Urim e o Tummin, ou a iluminação perfeita pela qual a Sabedoria Divina manifesta tudo na natureza.
Vimos como a divindade se contemplou a si mesma como em um espelho, reflexo que suscita inumeráveis seres. Quando o paraíso de Luz foi criado a partir do caos, tudo estava preenchido pela Sabedoria, tornado imortal pela clareza de uma luz penetrando cada coisa. Isso porque a Sabedoria Divina é um ser real e verdadeiro; por ela somente tudo foi criado, tudo pôde ser mantido; ela era como a raiz do paraíso de Luz; através dela somente passava a energia divina que foi em seguida comunicada novamente aos homens. A Sabedoria “vê” os sinais e os milagres antes mesmo que se produzam ou se manifestem. Ela é a Ordem de toda a natureza expressa no espaço e no tempo. Por isso ela ensina a medida do tempo; Sua Escola não cessou de existir, já que a natureza é a cátedra onde ela ensina, e que ela tem alunos em todas as nações. Com suas leis invariáveis, ela coordena o universo segundo a harmonia e a perfeição. Em uma carta a Kirchberger, Eckartshausen fala da Sabedoria sem nomeá-la; mas é bem dela que se trata. Ele fala a seu amigo do Verbo físico, plenitude das energias naturais, força luminosa, elo de todas as coisas, essência do 3.4/7 na natureza, elemento puro, quintessência do Universo. É isso que, no pão, nutre; é por isso que a erva cura; pois Deus reside no Verbo de onde flui a água da Vida; nesta água está a Tintura de Luz, o selo do Deus vivo. Assim, o humano está ligado ao divino. Assim são abertos em nós os sete selos que nos dão o espírito e a vida. Esse Verbo é o T no qual perece a serpente que nos havia dado a morte, ele é o orvalho do céu quando cai a aurora.
Assim se explicam as trevas no céu no momento da morte de Cristo, e a explosão das rochas no mesmo instante. Isso porque existe um vínculo histórico entre a história do homem e as manifestações sofiânicas; o problema da Queda sendo objeto de um capítulo particular, limitemo-nos por enquanto a algumas considerações sobre as implicações da Queda no plano sofiológico. Ao criar o homem, Deus só podia fazer de Sua criatura a ideia mais perfeita. Ele consentiu em descer Ele mesmo na humanidade a fim de “personificar” essa ideia de perfeição humana; então a Sabedoria, eclodida da Onipotência, entrou na carne para torná-la novamente capaz de receber o Espírito. De fato, quando Adão perdeu a semelhança divina, ele perdeu o Verbo divino, isto é, o Cristo, a Sabedoria, que se expressava nele; como ele havia se rebaixado ao nível do animal, a Sabedoria infinita desceu ao mundo dos sentidos a fim de levantar o homem do lugar onde havia caído. O elemento puro e metafísico cobriu-se, portanto, da envoltura mortal, sacrificou-se voluntariamente, fez passar suas forças interiores para o centro mesmo da destruição a fim de trazer de volta pouco a pouco à imortalidade tudo o que havia se tornado mortal. Desde o instante em que o Templo vivo da divindade, isto é, o homem antes da queda, tivesse sido devastado, a Sabedoria concebeu o plano que deveria reconstruí-lo. A necessidade de fazer os homens recuperarem sua salvação determinou “a Sabedoria ou Filho de Deus” a se dar a conhecer a eles como substância pura de tudo o que foi feito, e capaz de tornar vivo o que está morto, de purificar o que é impuro. Vê-se que o desenrolar desse processo é descrito exatamente como Saint-Martin o apresenta em sua introdução ao Ministério do Homem-Espírito (SMMHE). Eckartshausen a (Sophia) associa à segunda sephira, e a considera como um dos vestimenta Dei mencionados anteriormente. Ela é o vestimentum secundum Dei, um perfume da energia divina, a mãe de todas as coisas, que pode tudo, prevê tudo e permanece para o homem um tesouro infinito. Em Da verdade e do erro (SMEV) — título bem saint-martiniano!, um misterioso estrangeiro deixa em um banco um manuscrito escrito em caldeu, no qual se encontra uma passagem do Livro da Sabedoria em latim. Os elementos obedecem a Sophia, como se viu quando Moisés atravessou o Mar Vermelho. Merece-se ela cultivando a verdade e a bondade, e assim pode-se regenerar. Em uma passagem intitulada precisamente Fragmentos extraídos da mais antiga Escola de Sabedoria, Sofrônio, o jovem neófito, interpela a Sabedoria Divina suplicando que derrame sobre ele sua luz e lhe proporcione conhecimentos sublimes. Encontra-se ela mais facilmente com a humildade, a doçura e a perseverança, do que com a violência. Pois ela introduz a ordem e a beleza nos mecanismos do Universo unidos por sua Onipotência. Alegremo-nos, portanto, quando a sublime felicidade nos cabe tê-la por companheira! Mas ela evita aqueles que lhe preferem as pobrezas de um mundo manchado de nulidade. Eis que se ouvem ventos plenos de doçura, e que a benfazeja orvalho desce do céu; a chuva se espalha no seio da terra: é a potência, é a magnificência, que caem com cada gota d'água! Tais são os benefícios da Sabedoria Divina. Reencontrar essa noiva que era nossa significa que retomamos posse de nossa dignidade perdida desde a queda, e que nos tornamos novamente profetas, sacerdotes e reis. Esses acentos, dignos de Novalis, não nos fazem pensar também na Brautmystik?.
Eckartshausen, de fato, associa de bom grado a Sabedoria ao amor. Em um escrito político, não hesita em invocá-la em termos exclamativos, como fonte de toda felicidade: suplica à Sabedoria eterna que derrame a luz e a verdade entre os homens. No início de seu discurso na Academia sobre a intolerância em matéria de literatura, invoca a Sabedoria, filha do céu, pedindo-lhe que desça a seu coração para que as palavras que vai dizer estejam cheias de “calor” e verdade. Seu pequeno opúsculo dedicado à maneira como convém tratar os condenados à morte contém já, desde 1787, uma oração extraída dos Livros sapienciais. Mais tarde, explica que se o fim da Sabedoria é incitar o homem a conhecer-se, e a conhecer a natureza e Deus, o fim do amor é unir o homem a Deus mediante uma natureza superior participando ao mesmo tempo de Deus e da humanidade. Possuir a verdade e o Bem é adquirir a Sabedoria. Nela, assim como na Luz, reside o Bem; no amor, assim como no calor, reside o Verdadeiro. A Sabedoria é a fonte inesgotável da beleza, o amor é a fonte inesgotável da felicidade. Sabedoria e amor engendram tudo o que é bom, tudo o que é verdadeiro. Nunca separar-se da Sabedoria, que se comunica com tal pureza, descobrir nela a cada minuto miríades de encantos novos, ter olhos para contemplar suas harmonias luminosas, ouvidos para ouvir sua música celeste, que felicidade!. Veremos a propósito da linguagem que Eckartshausen chama “Sabedoria criada” (Sapientia creata) o conjunto dessas formas luminosas. Ele retorna várias vezes sobre o paralelismo entre a Sabedoria e o amor de um lado, o calor e a luz de outro; diz também que a luz espiritual é Sabedoria, e que o calor espiritual é amor; a Sabedoria unida ao amor constitui a verdadeira vida espiritual. Se o órgão da Sabedoria é a inteligência, o do amor é a vontade. A luz só existe onde se encontra a pureza, que permite ao divino descer em nós e à Sabedoria manifestar-se; Eckartshausen chama Seelen-Exaltations-Kraft-Annäherung esse estado privilegiado da alma. Por outro lado, a inteligência divina é a Sabedoria, e a vontade divina é o amor; no plano humano, o desejo de Sabedoria é amor.