Jesus disse: Quando façais do dois Um, vos tornareis Filho do homem, e quando digais: montanha move-te, ela se moverá.
106. Jésus a dit : Quand vous ferez de deux un, vous deviendrez fils de l’homme, et quand vous direz : Montagne, déplace-toi, elle se déplacera.
1 Jésus a dit : 2 lorsque vous faites le deux Un, 3 vous deviendrez Fils de l’homme, 4 et si vous dites : 5 montagne, éloigne-toi : 6 elle s’éloignera. v.
106 (1) Jesus said, “When you make the two into one, you will become children of humanity, (2) and when you say, ‘Mountain, move from here,’ it will move.”
A exegese manifesta da Escritura ensina, segundo o entende, que desde os dois dias genesíacos em que Deus criou os céus e a terra, existem assim dois princípios opostos, irredutíveis, que embora não coeternos em sua origem, posto que o princípio originário foi monista, permanecem em oposição durante seu desenvolvimento e persistirão assim ainda depois do final do mundo, como dualidade irredutível e eterna.
Tudo isto supõe um monismo na origem e um dualismo estrito a partir do ato da criação. Este dualismo converte o universo no campo de batalha de dois princípios, o do bem e o do mal, e seu enfrentamento invade a eternidade pós-escatológica e inclusive se assenta nela de maneira definitiva depois do juízo final.
Por sua vez, a exegese oculta não encontra dualidade nem na origem nem no final da criação, pois ambos extremos são à maneira dos polos de um círculo que se abre durante o caminho mas logo se fecha na unidade.
Somente durante o trânsito pelos céus e a terra criados se apresenta uma dualidade aparente, se se entende por “aparente” uma dualidade que vem da coexistência em tensão de dois elementos supostamente opostos: um princípio divino, preexistente e eterno, e um pseudo-princípio criado, e portanto destrutível, limitado e finito.
O que a nós nos corresponde explicar neste esboço de exegese oculta de um aspecto do mundo segundo o evangelho, é o que se refere aos dois elementos que parecem coexistir em oposição. Posto que nem antes do princípio, nem ao final do criado há dualidade, resulta necessário admitir que a espécie de dualidade que conhecemos, é engendrada no seio da criação e antes ou ao tempo da consumação escatológica, tal dualidade se resolverá outra vez na unidade.
Se impõe, por conseguinte, esclarecer a consistência e destino que têm, segundo o evangelho, as três ordens de dualidade em que, para efeitos de estudo, podemos dividir a criação:
Vemos, também, que o evangelho, quando é estudado segundo a exegese oculta, proporciona explicação para todas as formas de unidade que hão de sobreviver, pois a consumação de todas as coisas é precisamente isso: “que todas as formas de dualidade são temporais. engendradas pela criação, e se resolverão na unidade antes ou ao tempo do fim”.
Isto é o que deve ser estudado no presente comentário deste logion. De fato, a unidade é uma realidade preexistente e indestrutível, e se o que vemos são os pares de opostos, se deve a que não alcançamos a Plenitude da consciência, pois em tal caso comprovaríamos que a dualidade que contemplamos se consuma por si mesma na unidade.
Estas formas de unidade que sobrevêm, ou por dizê-lo à maneira do logion, este “fazer-se o dois um” no âmbito em que se move a Boa Nova, constitui a essência do ensinamento de Jesus, e se pode resumir em três consumações de unidade, as quais confluem por sua vez na unidade de Deus.
A unidade de Deus resta afirmada no Antigo e no Novo Testamento e se confirma com a seguinte sentença: “Ele é único e não há outro fora dEle” (Mc 12,32). Mas esta unidade de Deus deve ser determinada em três esferas diferentes:
O Homem que a consciência conhece e que denomina “a alma”, não é senão uma representação, uma imagem, do homem essencial, verdadeiro: o espírito.
O espírito é o conhecedor e a alma é o conhecido; uma dualidade que só se resolve em unidade quando o conhecedor descobre a imagem, a alma, como imagem e não como o si mesmo segundo acreditou até então.
A partir disso, o enigma se levanta e o “espelho” cessa. Isto é o que o logion explica como “fazer do dois um”. Logo, diz que o “um” que resta uma vez se tenha resolvido a unidade, é o Filho do Homem. A consciência de ser, é então ser o Filho do Homem.
A unidade perfeita significa que quando há fome, sede, solidão, desnudez, enfermidade, ou cativeiro, sempre é, em todos os casos, o Filho do Homem o que tem fome, sede, solidão, desnudez, enfermidade, ou cativeiro.
Isso há que “vê-lo”, há que sabê-lo “ver”, de maneira direta, com a consistência que dá ao fogo do conhecimento o sal agregado. Há que vê-lo, ainda que seja na transparência das coisas, pois essa é, à princípio, a “presença” de Deus.
Quando o homem descobre essa “presença” bendita, ali onde põe seu olhar, o que vê é o simples olhar de Deus, quer dizer, o Filho do Homem. A fome, a sede, a solidão, a desnudez, a enfermidade, ou o cativeiro que se descobre então, é o Filho do Homem sobre o qual se pôs o olhar, e também é isso mesmo o Filho do Homem que governa o olhar que olha.
Ninguém há na unidade que seja diferente do Filho do Homem, pois a unidade é que a criação inteira se redimiu na unidade, na consumação de ser um com o Filho do Homem.
Só assim se verá cumprida, quando chegue a hora decretada da dissolução do criado, a magna oração de Jesus ao Pai: “Que sejam (perfeitamente) um, como nós somos um: eu neles e tu em mim” (Jo 17, 22-23).
Desvanecidos então os céus, como fumaça que são, e desgastada a terra, abrasada pela ação corrosiva do tempo, para já não ser, a criação terá passado.
A montanha, o Lugar Santo, recôndito, onde o si mesmo do homem há de subir e “olhar” com olhos de transparência, para adorar em espírito e verdade, se deslocará então, empurrada pelo fogo de Deus e cobrirá o mar das almas.
A essa montanha interior onde sempre reinou e reinará a unidade, com criação ou sem ela, queria subir o salmista quando disse: “Já tenho consagrado em Sião a meu rei, em Sião meu monte alto” (Sl 2,6).