Bizet (JABR) – Ruysbroeck, doutrina (2)

JABR

A solidez das posições doutrinárias de Ruysbroeck se deve, em primeiro lugar, à firmeza das bases psicológicas sobre as quais se edifica sua espiritualidade. A psicologia de Ruysbroeck permanece certamente teórica: o método introspectivo, a observação dos fatos da experiência é menos aprofundada nele do que em Henrique Suso, seu contemporâneo. Seu gênio também o inclina para o abstrato, e ele se move com facilidade no jogo das noções e distinções da Escolástica. As divisões que estabelece entre os sentidos e as potências, distintamente especificadas e hierarquizadas, e além disso, entre as potências e a essência, podem parecer artificiais ou indevidamente estanques; elas têm sua razão de ser em vista do objetivo que ele propõe: prevenir as confusões em que a sensualidade dos pseudo-espirituais encontrava matéria para deleitações perturbadoras. Era importante evidenciar na estrutura da alma uma ordem e uma organização que não se acomodam aos estados de indistinção, de despojamento, de vacuidade anárquica em que os desviados colocavam a bem-aventurança dos perfeitos.

As potências da alma, conforme o esquema escolástico, dispõem-se em dois planos: o do ser carnal e o do espiritual, não opostos, como a alegria de viver às rigores da ascese, mas superpostos e, por isso, complementares. A criatura, de fato, segundo uma visão tomista, não imita a perfeição de Deus por supressão da ordem carnal em que está inserida, mas por aproximações sucessivas, por graus que ritmam sua ascensão 1). À ordem carnal pertencem as quatro potências inferiores: no grau mais baixo, o irascível (tornighe cracht), o concupiscível (begherleke cracht), a “racionalidade” (redeleecheyt), que parece corresponder à cogitativa ou razão particular na terminologia da Escolástica, e finalmente o livre-arbítrio (vriheyt des willen), que regula e modera todas elas “segundo uma justa discrição”. A ordem espiritual manifesta-se nas três potências superiores tradicionais: memória (ghedachte), entendimento (ver sienne se) e vontade (V. infra, pp. 91 sq).

A preocupação de buscar na criatura a assinatura do Criador, ao mesmo tempo uno e trino, leva Ruysbroeck a postular, em cada grau do ser psíquico, uma unidade implicada na trindade: assim como as potências inferiores têm sua unidade no “coração”, as potências superiores fundam-se na unidade do “espírito”, que Ruysbroeck também chama de ghedachte, em lembrança do mens dos escolásticos, e que ele considera especialmente como o sujeito da vida mística.

Pode-se lamentar a possível ambiguidade entre o mens e a memória, designados pelo mesmo termo, ou contestar o lugar atribuído ao livre-arbítrio, tratado como uma potência particular. Na intrincada rede da psicologia escolástica, Ruysbroeck procede a um recorte que parece arbitrário ou insólito. Percebe-se que o esquema assim definido é ditado por uma preocupação de arranjo simétrico, que acaba por colocar em paralelo a organização do homem interior com a do mundo visível, tal como concebida pelas cosmogonias aceitas. Às quatro potências inferiores da alma correspondem os quatro elementos: à potência irascível, destinada a dominar “os desregramentos da natureza e suas inclinações bestiais ou perversas”, corresponde o elemento terrestre; ao concupiscível, o elemento líquido; o ar, à razão; o fogo, ao livre-arbítrio. Do mesmo modo, as potências superiores evocam “os três céus”, dos quais o último, movido diretamente pelo primeiro móvel, é, segundo Ruysbroeck, “pura e simples claridade”.

Está escrito que os seres criados “foram regulados com medida, número e peso” (Sab., XI, 21). A simbólica dos números tem seu lugar na ordenação harmoniosa que, na ordem criada, é uma imitação do incriado. Os números três e quatro, na exegese dos Padres retomada pelos medievais, representam, um, a graça que emana da Santíssima Trindade, e o outro, a natureza; e conforme se somam ou se multiplicam, conforme a graça completa a natureza ou a fecunda, produzem-se os números simbólicos sete ou doze. Às quatro potências da alma correspondem, no plano simplesmente natural, as quatro virtudes morais que, segundo a expressão cara a Ruysbroeck, devem ser seu ornamento. As três potências superiores, suscetíveis de serem elevadas à ordem sobrenatural, são reguladas pelas virtudes teologais. Que a prudência tenha assim que moderar o irascível, figurado pela terra pesante — a temperança, o desejo, sob a imagem da água que escorre — a justiça, a razão prática, semelhante ao ar límpido — a força moral, o livre-arbítrio, ao qual se atribui a vivacidade do fogo — que as potências superiores se regulem, pela fé, esperança e amor, conforme o movimento das altas esferas, a natureza inteira encontrando na graça o ornamento que a completa, isso é mais do que uma aproximação engenhosa, é uma visão do mundo em que o espírito outrora pôde repousar e da qual a imaginação ainda pode se encantar.

Há, aliás, nesse paralelismo, uma parte de jogo do qual Ruysbroeck não é ingênuo, como quando compara os dons do Espírito Santo às influências dos sete planetas, cujas revoluções — isso ele crê firmemente — regem o curso das coisas terrestres; ou quando descreve as vicissitudes da vida espiritual evocando a sucessão das estações ou dos signos do zodíaco. Sua obra doutrinária, ao contrário dos místicos naturalistas que a Renascença viu surgir, não está ligada a uma cosmogonia caduca: ela apenas empresta um jogo de referências simbólicas que a fé na ordem universal justifica. Pensa-se nesses relógios das catedrais em que a sucessão das horas, por mecanismos engenhosos, faz girar em um céu azulado globos dourados com rostos humanos, enquanto desfilam anjos e os doze apóstolos, arautos da Redenção.

Esse aspecto do pensamento de Ruysbroeck pode, do ponto de vista estritamente doutrinário, ser considerado irrelevante: ele é eminentemente característico da mentalidade medieval, da qual é vão querer abstrair aqui. Além disso, as heresias de inspiração cátara lançavam sobre o mundo sensível, tido como obra de um demiurgo maléfico, um opróbrio que não era inoportuno dissipar: já que a natureza é criação de Deus, a graça não visa destruí-la, mas aperfeiçoá-la. A moral ortodoxa não poderia senão reprovar o ódio à vida que se manifestava tanto nos excessos ascéticos dos pseudo-espirituais quanto nas aberrações que eram seu resgate.

O universo medieval pode nos parecer reduzido às proporções de uma imagem edificante. O homem, pelo menos, nele defende seu lugar e nele se afirma legislador e senhor. Não há flagelos ou calamidades que o apanhem desprevenido. Se seus conhecimentos teóricos se obscurecem com puerilidades, ele se esforça, pelo menos, em desenvolver suas faculdades de intuição e reflexão, e adquire aí uma virtuosidade que nos desconcerta tanto mais quanto estamos mais exclusivamente inclinados a acentuar nossa apreensão do concreto, do real, a ponto de corrermos o risco de nos deixarmos absorver por ele.

1)
Cf. S. Tomás, Sum. contra Gent., II, XLV: Oportuit ad hoc quod in creaturis esset perfecta Dei imitatio, quod diversi gradus in creaturis invenirentur. Historiadores alemães erigiram essa consideração em um sistema denominado gradualismo, por reação contra a tendência a acentuar o dualismo inerente ao pensamento medieval. Cf. G. Müller, Gradualismus, eine Vorstudie zur altdeutschen Literaturgeschichte, Vierteljahrschr. f. Lit.-wiss. und Geistesgesch., 1924, pp. 681-720.