Boehme (JBMM) – Jacó

Mysterium Magnum (JBMM), LX, 17-30: «Assim como, no decorrer dessa noite, Jacó lutou com um homem até o surgir da Aurora, do mesmo modo o Espírito de Deus, isto é, o amor de Deus em nossa humanidade aceita, lutou com a ira de Deus em nossa humanidade, até que o amor da graça transpassasse a ira e que a estrela da manhã do amor divino se levantasse na alma e superasse a ira, conforme o texto de Moisés aqui indica de modo muito velado e, no entanto, bastante claro, ao dizer: “Uma vez que Jacó, no decorrer dessa noite, foi com seus onze filhos e suas duas mulheres, assim como com suas servas e todo o seu exército, e depois ficou só; então, um homem lutou com ele até o surgir da aurora; e, quando viu que não o podia vencer, tocou-lhe a articulação da coxa, e a articulação da coxa se deslocou nessa luta, e ele disse: Deixa-me ir, pois a aurora já surge.” (Gênesis 32:23-27.) (…) Isso indica o deslocamento e a destruição da humanidade adâmica e que, quando Cristo alcançasse essa vitória, o poder e a vontade próprios do homem seriam deslocados, quebrados e destruídos. Mas, assim como Jacó não morreu nessa luta, embora sua articulação tenha sido deslocada, do mesmo modo nossa humanidade não deveria morrer para sempre, mas apenas ser deslocada, isto é, transformada. Isso indica especialmente como o homem penitente deveria enfrentar esse combate de Jacó e, assim, lutar com Deus e com os homens no Espírito de Cristo, contra a justiça de Deus e Sua ira. E, uma vez alcançada a vitória, a articulação de sua vontade pessoal e carnal seria deslocada, de modo que ele seria forçado a entrar neste mundo meio paralítico, incapaz de caminhar pelas estradas do mundo, mas apenas a coxear, com os membros meio quebrados, para que os atrativos do mundo fossem expulsos; pois o Espírito que está na vitória de Cristo toca sua articulação, a fim de que ele se torne um paralítico no orgulho e na maldade do mundo e não lhes dê mais atenção, avançando como um homem paralítico e desprezado, a quem o orgulho do mundo, em suas magníficas cabriolas, considera de pouco valor e que não pode imitar as frivolidades do século. Mas ele lutou com Deus e com os homens e, por isso, foi tocado e marcado pela vitória. A isso, o orgulho e a luxúria do mundo não entendem nada, pois avançam ainda na severa justiça de Deus, que ameaça o reino da natureza no poder ígneo, com sua vontade própria, e não se preocupam até que ocorra o julgamento de Deus; então, a pobre alma se vê citada diante do tribunal da eternidade e vive em tormentos. E, enquanto Jacó lutava e sua articulação era tocada, de modo que ele coxeava, o homem lhe disse: “Deixa-me ir, pois a aurora já surge.” Mas ele respondeu: “Não te deixarei ir, se não me abençoares.” (Gênesis 32:27.) Isso é, em primeiro lugar, uma figura de Cristo, quando Ele entrou na justiça de Deus contida em Sua ira, de modo que a ira O matou segundo nossa humanidade (…). Em segundo lugar, temos aqui uma bela imagem que nos mostra o que aconteceria ao homem penitente quando, por uma séria penitência no decorrer desse combate de Cristo — isto é, da Paixão e morte de Cristo —, ele se abandonasse à Sua vitória e, no Espírito de Cristo, lutasse contra a severa justiça de Deus, que não cessa de injuriá-lo em sua consciência.» Mais de um terço do Mysterium Magnum é dedicado a Jacó, personagem exemplar de quem Boehme se esforçou, por toda a vida, para ser digno.