Gorceix (BGFA) – Angelus Silesius, Fogo e Água

BGFA

Dois motivos dominantes se impõem nesse erotismo místico, cujo mau gosto não deve ser excessivamente denunciado pelo século da pornografia. O primeiro é o que podemos chamar de temática do lugar fechado. Em todos os níveis da meditação, notamos que o chamado de Jesus pela alma é, antes de tudo, a aspiração a um espaço fechado, onde ela pode saborear a verdadeira felicidade. Na maioria das vezes, esse espaço fechado é identificado com o coração de Jesus, que é também o coração de Psique. O poeta fala então de: câmara do coração (Hertzens-Kammer), câmara nupcial na qual virá o noivo para celebrar com aquela que ama as bodas eternas. O coração é um cofre, onde Jesus derrama suas chamas. Um templo, templo da modéstia, um jardim onde o amado deve vir, para que cresçam melhor os frutos que ali brotam: Jesus se torna um jardineiro que garante a floração. Uma caverna, um presépio, um porto, um vaso, uma torre, um castelo: tantos abrigos, esconderijos, cuja repetição impressiona. Metáforas ainda mais raras se inserem nesse contexto, como a da ostra perlífera. Que o cofre do meu coração, retoma o refrão da écloga 158, seja a nácar (em alemão: Perl-Mutter) da pérola que é Jesus; para isso, que o fogo crístico queime na alma, para transformá-la, para incitar a nácar a produzir a pérola, que Jesus seja o orvalho do céu que, caindo gota a gota, permita a concreção preciosa. Uma complexa alquimia preside ao nascimento no athanor da alma do noivo celestial. Esse espaço fechado, ainda mais, tem portas, pelas quais Jesus se introduz, portas que são ditas de rosa, comparadas a uma fenda embalsamada! (Balsam-Ritz) (V, 174, p. 261). A chave de Davi é necessária para que se abra a fechadura mística! Muitas vezes, não é mais o coração de Jesus que forma o espaço fechado, mas o corpo inteiro do crucificado. Este último é então identificado com um salão onde as núpcias se desenrolarão, salão cujas portas estão escancaradas para uma alma preparada (II, 51, p. 79), ou com uma caverna de ouro, que é também cidade de alegria. Quando se acessa a ele, penetra-se em um vale de lírios. Ele ainda é um aprisco, no qual a ovelha perdida finalmente encontra um merecido repouso. O culto das chagas se encaixa perfeitamente nessa temática, pois as chagas são tantas aberturas pelas quais penetramos na intimidade do amante celestial, aberturas que, no entanto, são também tantas fontes das quais jorra o sangue, bálsamo reconfortante, rosa e vermelho, que sacia a sede do peregrino apaixonado. O místico inteiro, portanto, quer se afogar nelas, porque são as valas de mel, que devolvem a vida ao coração doente. Ele as saúda, elas que são “o asilo tranquilo de sua alma”, as adora e as beija (II, 46, p. 69). Ele quer viver nelas, “incorporar-se a elas” (II, 47, p. 72). Ele se compara à abelha, mas o mel que ele coleta é o sangue de Jesus. Em um jogo estranho e muito ambíguo, o poeta descreve como o pastor, nessas chagas e dessas chagas, entra e sai, e quantos deleites cada penetração lhe proporciona (III, 106, p. 145). Na Santa Alegria… de Johannes Scheffler, o recalque tradicional da mística nupcial, como se ela sentisse seu fim próximo, vai se libertando, desabafando na satisfação verbal ainda de desejos quase conscientes. O segundo grupo de motivos é frequente na linguagem contemplativa. Sua intensidade não surpreende menos ao longo da coletânea. Trata-se da alternância, que é ao mesmo tempo complementaridade e oposição, do tema da água e do tema do fogo, com seus dois corolários, o afogamento e a fusão. À fúria do erotismo junta-se, como sempre, o delírio da violência. O esquecimento ao qual a alma aspira na felicidade da união é descrito como um suplício de ignição ou de imersão. A alma se inflama, pega fogo, ou então é incendiada, torna-se uma fogueira, nascida do efeito de uma chama vinda do céu ou de um relâmpago que derrete o coração. As partículas separáveis dos verbos alemães podem traduzir em detalhe a súbita ou a totalidade desses incêndios-inundações: durchgluhen, entbrennen. Por outro lado, o coração é certamente saciado normalmente pelo que o autor chama de: a “seiva da deidade” (I, 32, p. 47). Já vimos também que o sangue que flui das feridas de Cristo era mais delicioso que o melhor dos vinhos. Mas esse sangue também é capaz de nos inundar ao pé da cruz. Afundamos, nos afogamos no mar da divindade. Os termos emprestados do domínio do fogo e da água variam os motivos: o amor de Jesus é uma faísca, uma luz dourada. Tem um brilho superior ao sol. É frequentemente comparado a uma estrela, seja a estrela polar, seja a da manhã, seja, mais geralmente, a estrela que nos guia (Leitstern). Mas, no registro oposto, ele também é de natureza aquosa. O autor multiplica as expressões: ele é uma fonte, um orvalho, uma chuva. Pode também ser um rio, um córrego, ou mesmo um mar de alegria ou de volúpia, um óleo, um néctar, um suco, uma seiva, um mosto, um vinho, um ungido… Às vezes, as imagens ígneas e aquosas são usadas lado a lado, por exemplo:

“Derrama as chamas do teu amor Como um grande rio em mim” (II, 51, p. 71). Ou, a alma saboreia ao mesmo tempo os deleites do calor e do frescor, de um fogo devorador e de uma água apaziguadora.