Antonio Orbe — Cristologia
Desde a mais remota antiguidade se recorreu à ideia de luta para um dos aspectos mas profundamente religiosos do homem. A doutrina dos dois princípios é um bom expoente. Entre os gregos — ao dizer de Celso —, “os antigos falam, entre enigmas, de uma guerra divina (theion tina polemon — Orígenes, Contra Celso VI,42).
Jó concebia a existência humana na terra como milícia (Jó 7,1). A filosofia grega comparava a vida do homem com as disputas dos atletas. Quem triunfe as paixões e refreie os instintos, sai vencedor dos combates; e a arte o representará com a coroa oferecida aos campeões (Platão Rep X 621c). O estoicismo achou gosto em assemelhar o sábio ao atleta, e viu seu expoente ideal em Hércules (Sêneca De constant sap. c2)
Justino gnóstico exaltou sem escrúpulo a figura de Hércules, com inspiração em Heródoto. A vida como luta interessou particularmente o alexandrino Filon.
Na vertente neoplatônica, imaginava Porfírio a existência como combate.
Os cristão previnem com a graça divina a concupiscência para não cair nela, conscientes de sua debilidade
O fundamento muito humano se adentra na constituição do indivíduo, solicitado em sentidos antagônicos.
Para ter a Deus é preciso lutar contra o que nos arrasta à ruína. O caminho é abandonar, de algum modo, o corpo; e subir, atrás da vitória, à vida, prêmio do combate da piedade.
A Escritura abunda em imagem agonísticas. Paulo Apostolo as apresenta com especial relevo. O cristão se move na vida como atleta no estádio. A descrição da milícia cristã consagrou o simbolismo das armas.
A intervenção salvadora do Verbo no mundo adquire também uma tônica de guerra, de duelo. O Senhor vem nos salvar “de nossos inimigos e de mãos de quem nos odeiam”.
Através do livro de Josué se compreendem as campanhas de Jesus.
a) Eclesiásticos
O vocabulário muda bastante; Israel esperava um Messias literalmente guerreiro. A perspectiva de Deus e de seus profetas era outra. Como a circuncisão e grande partes da Lei, também as guerras, hostilidades e triunfos de Jesus se sublimaram.
A entonação guerreira do Filho na sua epifania ao mundo se dilui nas seitas. Muito mais claras são as premissas que o combate mesmo.
O megas agon em sua aplicação à vida.
De novo falou o Senhor com Acaz, dizendo: Pede para ti ao Senhor teu Deus um sinal; pede-o ou em baixo nas profundezas ou em cima nas alturas. Acaz, porém, respondeu: Não o pedirei nem porei à prova o Senhor. Então disse Isaías: Ouvi agora, ó casa de Davi: Pouco vos é afadigardes os homens, que ainda afadigareis também ao meu Deus? Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel. Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem. (Is 7,10-15)
Exegese de fragmento de Clemente de Alexandria — Excerpta ex Theodoto (58,1): “Segundo isso — disse —, depois da basileia da morte, que havia feito grande e sedutora a promessa, e que, não obstante, veio a converter-se em diakonia da morte…, apresentou-se o magno lutador.”
O epíteto “grande lutador”, em sua aplicação ao Cristo, diz muito e não diz nada. Por seu alcance genérico sintetiza um dos aspectos mais relevantes da atividade terrena do Salvador. Se presta a muitas aplicações. Mas também desconcerta.