BGFA
Essas teses, cujas fórmulas bem formuladas e tingidas de modernidade — Ichinnenraum, Eros escatológico, desdobramento primordial — não deixaram de seduzir, não devem, no fundo, ser descartadas tão rapidamente. Elas se apoiam, de fato, em textos importantes aos quais nos referimos, em particular nessas fórmulas-limite onde são definidas a grandeza, a divindade e até a superioridade do homem e do eu sobre Deus. As oscilações de que fala o crítico polonês podem ser facilmente ilustradas por dísticos perturbadores, perguntas sem respostas. O primeiro livro está repleto delas. A respeito do problema da emanação: se a criatura deixou Deus, como Deus pode ainda mantê-la em seu seio (I, 107)? A respeito da morte: como, se “no Verbo divino existem todos os seres”, explicar que eles possam cair e desaparecer (I, 109)? A respeito do problema do mal: como o homem pode escolher a morte em vez de escolher Deus (I, 123)? As mesmas angústias aparecem nos dísticos 129 e 133 do primeiro livro: se Deus é bondade, o mal deve estar no homem; mas, já que Deus está eternamente presente, não deve Ele estar “tudo em tudo em mim, desde já”? A respeito também das relações do corpo e da alma: como a alma pode estar no corpo e o corpo na alma? (I, 150). Em um grande dístico do livro IV, o 126º, todo o desconcerto do pensador explode:
A causa insondável. E seu céu e sua alegria, para Si mesmo sendo tudo, Não sei por que Deus quis criar-nos a nós. A primeira razão que nos obriga a acolher as duas teses recentes com ceticismo é mais prática. Sem dúvida, os dísticos que celebram a nobreza do homem, assim como essas interrogações sobre os problemas fundamentais da criação, da morte, do mal, do corpo e da alma, não podem ser negligenciados. Mas não se deve interpretar a regra da antítese muito rapidamente em um único sentido. Encontramos, de fato, sem dificuldade, textos que tanto respondem às interrogações levantadas quanto corrigem as fórmulas que alguns consideraram heréticas, com uma clareza surpreendente. I, 212, por exemplo, estabelece de forma claríssima que, enquanto Deus é o que é, eu sou apenas por Ele:
Gott ist das, was er ist; ich, was ich durch ihn bin.
A imagem alquímica também o diz sem rodeios: o homem é chumbo, ele precisa se tornar ouro (I, 248); Deus é o único capaz dessa transmutação alquímica. Toda a especulação ascética deve ser lembrada aqui. Ela visa esmagar, aniquilar um homem cuja falha, a única falha na verdade, é o orgulho. Devemos viver, diz claramente I, 92, como se estivéssemos mortos, mais ainda, como se nunca tivéssemos existido: não cabe mais a nós matar Deus, mas nos matar, negar-nos até mesmo todo direito à existência, assim e somente assim poderemos nos identificar com a divindade. Ao longo dos livros, parece que o nada do homem em relação à totalidade divina vai se afirmando. O título de II, 180 é: Der Mensch ist nichts, Gott alles, o homem é nada, Deus é tudo. Um conceito filosófico consagra uma diferença já sugerida, o de alteridade (Anderheit):
Entre mim e Deus, nomeia a diferença! Uma palavra, a alteridade, põe toda a distância (II, 101). E II, 207 para devolver triunfalmente a Deus a única honra:
Deus é em ti a vida. Não és tu que vives, a criatura está morta; A vida em ti que vive, é Deus quem a sustenta.
Os dísticos que celebram a glória do homem não devem, e reciprocamente, fazer esquecer que o homem só tem realidade em Deus, e que a essência divina só pode se derramar no nada realizado de todas as nossas faculdades.