====== Kolakowski (LKCE) – Angelus Silesius, Alquimia e Theosophia ====== LKCE Em resumo, discordamos da teoria da primazia do estilo sobre a doutrina na obra de Silesius; também não consideramos ilegítima uma análise autônoma do conteúdo religioso dessa obra. Dizer que não se "pode desvincular" o estilo da doutrina parece uma declaração vazia e sem valor, pois tudo, no mundo, é "verdadeiramente" interdependente, e não se pode "desvincular" nada de outra coisa; apesar disso, qualquer forma de pensamento, seja científica ou comum, só é possível graças a essa separação artificial. Não sabemos se o estilo barroco, de fato, se alia às tendências panteístas, como Gebhardt avalia, confrontando Silesius e a metafísica spinoziana — com sucesso, aliás; se fosse assim, nenhuma teoria sobre a primazia do estilo sobre a doutrina daí resultaria. Também não sei se esse traço tão característico do barroco que seria, segundo Wölfflin, seu caráter "pictórico", está efetivamente presente na arte alemã de forma particular e constante (o que seria o análogo da tendência alemã ao panteísmo que evocamos); mesmo que fosse assim, seria impossível concluir a partir dessa única observação uma primazia das preferências de estilo sobre o conteúdo. A evolução autônoma das formas de expressão artística é um fato incontestável; no entanto, não impõe, por si só, a menor hipótese quanto à gênese "formal" dos valores da obra que se relacionam com a Weltanschauung. Certamente, a originalidade ou especificidade de Silesius é mais função dos meios de organização lírica de seu pensamento aos quais ele recorreu; assim, podemos reconhecer que ele não é um teólogo original; não há, contudo, nenhuma razão para recusar o reconhecimento da existência dessa teologia. Parece, por outro lado, que existe, no pensamento de Silesius, um elemento cuja presença não atinge a camada "doutrinal", mas se detém no nível da formulação: é a tradição alquímica. O Peregrino Querubínico é todo impregnado de vocabulário alquímico; o chumbo transformado em ouro, a tintura, a pedra filosofal, a fusão — uma quantidade de expressões que, é verdade, servem apenas como metáforas imagéticas, ao lado de outras que descrevem o processo da união com Deus ou a forma de se purificar dos pecados (I, 102, 244, 246, 248-250, 258; III, 120). A doutrina que está na base da forma como alquimistas e teósofos concebem o mundo — uma imagem do mundo como conjunto de sistemas significantes que, em sua estrutura, imitam as estruturas do mundo sobrenatural — é quase ausente do pensamento de Silesius ou se expressa apenas em raros aforismos, como este: //"Que Deus seja Três em Um, cada erva te mostra: lá se vêem reunidos enxofre, sal e mercúrio" (I, 257).// Essa epigramática encerra os dois temas essenciais de Paracelso: a teoria da repetição do mundo divino em sistemas microcósmicos, bem como seu ensinamento sobre os três elementos simples do mundo físico: o enxofre, o mercúrio e o sal. É, contudo, repetimos, um exemplo excepcional. Que Silesius deve muito a Jacob Boehme e indiretamente (somente indiretamente, supõe-se) ao Mestre Teofrasto von Hohenheim, é um fato tão incontestável quanto as importantes diferenças que se constatam entre eles. A concepção alquimista do mundo (que não se deve identificar, obviamente, com as técnicas alquimistas de "purificação"; o "príncipe dos alquimistas", Paracelso, não se ocupou absolutamente de fabricar ouro) apresenta o mundo como um conjunto de sinais ou alusões cujo sentido aquele que é versado no saber hermético conseguirá decifrar, a fim de atingir, por seu intermédio, as estruturas invisíveis. Por meio de um sistema complicado de condensações, coagulações e diferenciações sucessivas, a energia primordial do Ser manifesta-se na multiplicidade do cosmos visível que, mesmo que já corrompido pela queda — como é o caso do mundo humano —· leva consigo a marca dos sistemas superiores dos quais é oriundo. Essa interpretação mimética do mundo (o homem como microcosmo, o mundo como macroantropo), associada à crença em uma hermenêutica possível da natureza (o cosmos é inteligível e "legível") está no centro da especulação alquímica e teosófica. "Há tantos fenômenos em cima quanto em baixo", diz Paracelso. "O homem é igual ao macrocosmo . A anatomia do homem é semelhante à anatomia de toda a esfera que o cerca . O homem é um microcosmo, por isso tem em si tudo o que o macrocosmo contém em si, o que está descoberto e o que não está descoberto. Assim, o mundo exterior é o espelho do homem, sua teoria e sua anatomia, de modo que pelo mundo exterior se chega ao conhecimento do homem em todas as coisas que lhe são próprias". Boehme começa seu Mysterium Magnum da seguinte forma: "Se considerarmos o mundo visível com seu ser e considerarmos a vida das criaturas, encontramos então um símbolo do mundo invisível segundo o espírito que está latente no mundo visível como a alma no corpo e vemos que o Deus oculto está próximo de tudo e compenetra tudo...". Os alquimistas e os teósofos, mesmo quando buscam na matéria uma forma decaída do Ser, reencontram em sua diversidade uma imitação dos mundos superiores. A natureza os interessa como forma diferenciada, precisamente, pois esperam encontrar a chave de suas mensagens cifradas. O mundo de Silesius — nas duas versões de sua mística — é diferenciado de forma dicotômica. A diversidade das variantes qualitativas da natureza desempenha em sua obra apenas o papel de arsenal de ferramentas metafóricas, graças às quais é possível tornar acessíveis, com a ajuda de imagens sensíveis, conteúdos não discursivos. São, todavia, comparações, justamente, e não descrições das ligações imitativas reais entre os diversos domínios do Ser. A purificação da alma que rejeita o peso não divino da individualidade pode ser comparada à transformação do chumbo em ouro (I, 102), mas não é verdade que um desses processos seja uma imitação efetiva ou uma reprodução do outro, em virtude de alguma lei cósmica da criação. Temos alegorias e metáforas, símbolos e imagens, mas eles funcionam exclusivamente de acordo com as leis do processo poético ou da simplificação didática, despojados das ligações reais, energéticas que os alquimistas buscavam entre as diversas realidades: a divina, a angélica, a astral, a humana, a vegetal e a mineral.