====== Pérola (OCM) ====== //7. O reino dos céus é ainda semelhante a um mercador que está à procura de belas pérolas.// Já que o reino dos céus é comparado, embora haja numerosos mercadores que negociam com numerosas mercadorias, não a qualquer um, mas àquele que está à procura de belas pérolas, encontrou uma pérola que, por seu valor excepcional, é igual a todas as pérolas comuns e a comprou em troca de todos os seus bens, penso que pode ser razoável fazer um estudo sobre a formação da pérola. Observe com cuidado que não é dito que ele vendeu todas as pérolas que possuía; pois o mercador à procura de belas pérolas não vendeu somente aquelas que tinha comprado, mas também tudo o que possuía, a fim de adquirir esta bela pérola. Ora, encontramos, nos autores especialistas em pedras, os seguintes detalhes a respeito da formação da pérola: entre as pérolas, há as que são de origem terrestre, outras que vêm do mar. As pérolas terrestres se encontram somente entre os indianos e servem para selos, anéis e colares. Quanto às pérolas marinhas, as mais preciosas são descobertas entre os mesmos indianos, e as melhores são as que o Mer Vermelho produz. Em segundo lugar, entre as pérolas, vêm as que se recolhem no Oceano que fica perto da Bretanha. Em terceiro lugar, e bem distanciadas não apenas das primeiras, mas também das seguintes, as que se descobrem na região do Bósforo, nas costas da Cítia. //Nascimento, vida e captura da pérola indiana// Eis também o que esses autores diziam da pérola indiana: ela nasce em conchas que se parecem, por sua natureza, com conchas marinhas de grande tamanho. Contam que estas conchas pastam no mar em bandos, por assim dizer, sob a direção de uma espécie de chefe de rebanho, notável graças à sua cor e ao seu tamanho, e superior aos seus subordinados, de modo que se poderia compará-lo ao que se chama de abelha rainha. É também contado, a propósito da captura das mais belas pérolas, ou seja as indianas, o que segue: os nativos as prendem em redes formando um grande círculo a partir da margem, e ao mergulhar, procuram apanhar, entre todas essas pérolas, somente o seu chefe, pois, uma vez que este foi pego, dizem, a captura do rebanho inteiro não oferece nenhuma dificuldade, nenhuma das que fazem parte dele permanecendo mais no lugar, mas cada uma, como se um laço a prendesse ao seu chefe, começa a segui-lo. É dito também que a formação das pérolas indianas pede tempo, pois o animal passa por numerosos estágios na sua evolução, antes de atingir a sua forma perfeita. É contado ainda que a concha do animal que contém a pérola se abre, como se estivesse bocejando, em seguida, uma vez aberta, recolhe o orvalho do céu no seu seio, e que, se ela se encheu de um orvalho puro e límpido, começa a brilhar por toda parte e dá à luz uma pedra de grande tamanho e bem proporcionada. Mas se por acaso ela recebeu orvalho escurecido e de má qualidade, por causa da tempestade, ela dá à luz uma pérola opaca e suja de manchas. Descobrimos ainda que, se o seu trabalho para formar a pedra de que está grávida, é interrompido por um raio, ela se fecha, e... como sob o efeito do medo, desagrega e esmaga o seu filhote, reduzindo-o, dizem, a um líquido borbulhante. Acontece que estes seres nascem com um tamanho reduzido, como se viessem antes do tempo, e com uma espécie de névoa, o que não as impede de serem bem proporcionadas. Eis também uma das superioridades da pérola indiana sobre as outras: ela tem uma cor branca, comparável à de uma prata límpida, o seu brilho é de uma suavidade esverdeada e, em geral, ela tem uma forma arredondada. Ela tem também uma coloração delicada e muito suave para uma pedra. Assim, ela tem uma aparência muito bonita, a ponto de a sua beleza ser louvada como uma maravilha, segundo o que diz o autor deste tratado sobre as pedras. Acrescentamos que se reconhece uma pérola excepcional pelo fato de que ela é perfeitamente redonda, que a sua cor é muito branca e muito brilhante e o seu tamanho considerável. Tais são, portanto, os detalhes a respeito da pérola indiana. //As outras pérolas// A pérola das proximidades da Bretanha, dizem, tem um oriente colorido, mas como que chumbado, e ela só cintila fracamente. A pérola do estreito do Bósforo é mais sombria que a da Bretanha, ela tem uma cor lívida e totalmente indistinta, mas suave, e é de grande tamanho. Esta pérola do estreito do Bósforo nasce, não nas pinhas, que são uma espécie de concha produtora de pérolas, mas no que se nomeia de mexilhões. Mas estas — falo das pérolas do Bósforo — pastam nos lugares pantanosos. É contado também que há uma quarta espécie de pérolas, nas costas de Acarnânia, que nascem nas pinhas; mas elas não são muito apreciadas, pois são mal proporcionadas na sua forma e a sua cor é suja pela lama, sem que se possa remediar. Há outras que estas, na mesma região de Acarnânia, mas se as despreza por todo tipo de motivos. //O significado das pérolas// Tais são as informações que recolhi nas obras que tratam das pedras, e pretendo que é porque o Salvador sabia que havia toda sorte de pérolas, umas bonitas, outras feias, por sua espécie, que ele disse: “O reino dos céus é semelhante a um mercador à procura de belas pérolas”; se, com efeito, entre as pérolas, não houvesse as feias, ele não teria dito: “à procura de belas pérolas”. É nas palavras de toda espécie, que proclamam a verdade e contêm as pérolas, que se deve buscá-las, e as conchas tornadas grandes, por assim dizer, do orvalho do céu e dando à luz, sob a ação do alto, a palavra de verdade, devem ser os profetas, estas belas pérolas que, segundo o texto citado mais acima, o mercador procura. O chefe do rebanho das pérolas, cuja descoberta permite a de todas as outras, é a pérola de grande preço, o Cristo de Deus, o Logos superior aos textos preciosos e aos pensamentos da lei e dos profetas, cuja descoberta permite alcançar facilmente todo o resto. A palavra do Salvador se dirige a todos os seus discípulos, como a mercadores, que não apenas procuram belas pérolas, mas as encontraram e adquiriram, na passagem em que ele diz: “Não atireis as pérolas diante dos porcos!” Que sejam os discípulos os destinatários destas palavras, isso resulta do começo da passagem: “À vista das multidões, ele subiu a montanha; sentou-se e seus discípulos se aproximaram dele.” É com efeito na continuação deste texto que é dito: “Não deis o que é santo aos cães, não atireis as pérolas diante dos porcos!” Poder-se-ia, portanto, dizer que aquele que não tem pérolas, nem a pérola de grande preço, não é sequer o discípulo do Salvador (que nos ensina a buscar) as belas pérolas e não aquelas cuja cor é sombria, turva — tais são as doutrinas dos heterodoxos —, pois elas não nascem voltadas para o Leste, mas voltadas para o Oeste ou para o Norte, se é preciso usar também estes detalhes que explicam a diversidade que descobrimos entre as pérolas nascidas em lugares diversos. Talvez as doutrinas sujas e as heresias envolvidas “nas obras da carne” sejam estas pérolas sombrias, nascidas nas águas estagnadas e privadas de toda beleza. //As belas pérolas conduzem à pérola de grande preço// Relacionará com esta passagem: “que procura belas pérolas”, as seguintes: “Busque e encontrará”, e “quem busca encontra”. Pois a respeito de que é dito: “busque”, ou “quem busca encontra”? Ousarei dizer que se trata das pérolas e da pérola, aquela que aquele que deu tudo e aceitou perder tudo adquire, aquela por causa da qual Paulo diz: “Quis perder tudo, para ganhar o Cristo”? e quando ele diz “tudo”, são as belas pérolas, e “para ganhar o Cristo”, é a única pérola de grande preço. Ora ela é preciosa a lâmpada para aqueles que estão nas trevas, e se precisa de lâmpada, enquanto o sol não nasce; preciosa também a glória de que irradia o rosto de Moisés', assim como o dos outros profetas, a meu ver pelo menos, e é um belo espetáculo, pois ela nos conduz à possibilidade de ver a glória do Cristo, à qual o Pai rende testemunho dizendo: “Este é o meu filho, o meu amado, em quem me comprazo.” Mas “o que foi glorificado desta maneira parcial perde a sua glória, em vista de uma glória superior”, e precisamos, num primeiro tempo, de uma glória que aceite ser “abolida em favor de uma glória superior”, da mesma forma que precisamos de um conhecimento “parcial”, que “será abolido, quando o perfeito vier”. Assim toda alma que accede à primeira infância e caminha “para a perfeição”, precisa, enquanto não se instala nela “o pleroma dos tempos”, de um pedagogo, de ecônomos e de intendentes, para que, depois de tudo isso, aquele que primeiro “não difere em nada de um escravo, embora seja mestre de tudo”, receba, uma vez alforriado, da mão do pedagogo, dos ecônomos e dos intendentes, a sua herança, análoga à pedra de grande preço e “ao perfeito” que vem e “abole o que era parcial”, no momento em que ele for capaz de acceder “ao grau superior do conhecimento do Cristo”, depois de ter se exercitado nos conhecimentos — é preciso nomeá-los assim — que são ultrapassados pelo conhecimento do Cristo. Mas a massa, que não compreendeu a beleza das numerosas pérolas da lei, nem o conhecimento ainda “parcial” espalhado em todas as profecias, imagina que pode, sem que estas sejam esclarecidas e capturadas perfeitamente, encontrar a única pérola de grande preço e contemplar “o grau superior do conhecimento do Cristo Jesus”, em comparação do qual, tudo o que precede este conhecimento tão elevado e tão perfeito, sem ser por sua natureza própria “imundície”, aparece como tal, pois pode ser comparado ao esterco que o vinhateiro atira ao pé da figueira, para a fazer produzir fruto. “Portanto há um tempo para tudo, e um momento favorável para toda obra, debaixo do céu”, e há o “momento em que se juntam as pedras” — as belas pérolas — e, depois desta junção, aquele em que se encontra a única pérola de grande preço, quando convém ir vender tudo o que se possui, para comprar esta pérola. Da mesma forma, com efeito, que todo homem que quer se tornar sábio na doutrina de verdade, deverá, num primeiro tempo, aprender os rudimentos, progredir no conhecimento desses rudimentos, dar muito valor a esses rudimentos, sem no entanto permanecer nestes rudimentos sob o pretexto de que os apreciou nos seus inícios, mas progredir até “a perfeição”, ao mesmo tempo que testemunha a sua gratidão a esta iniciação, pois ela foi necessária numa primeira etapa, da mesma forma a lei e os profetas compreendidos perfeitamente, são rudimentos que conduzem à perfeita compreensão do Evangelho e à inteligência total dos atos e das palavras do Cristo Jesus.