====== Ruysbroeck (JRO) – Potências da Alma (12 Beguinas) ====== //Extratos traduzidos de Ruysbroeck, JRO// O LIVRO DAS DOZE BEGUINAS O Espírito do Senhor, compara-se a uma fonte de água viva, onde se vive acima de nossa natureza criada, e de onde jorram as veias vivas da graça, cujas ondas fazem correr dons múltiplos em nosso espírito, é assim que o Espírito do Senhor vive e habita em nós. E o Senhor nos toca com seu dedo, isto é, com seu Espírito, e nos diz "Ama-me como eu te amo e como eu te amei de toda a eternidade." Essa voz e esse convite interiores são tão terríveis de ouvir, que tudo é agitado em uma tempestade de amor: todas as potências da alma respondem e dizem entre si: "Amemos o amor sem fundo que nos ama eternamente." O coração se abre cheio de desejos e todas as potências sensíveis o seguem em um amor afetivo por Deus. CAPÍTULO XIII Por isso, se quisermos combater e vencer, com a ajuda de Deus, o frio inverno do pecado, poderemos, ao calor do verão da graça divina, dar fruto para a vida eterna. É o que o curso do sol e as diferentes épocas do ano nos ensinam. Pois quando perdemos por nossos pecados a graça de Deus que havíamos recebido no batismo, somos traidores e infiéis a Deus. Contudo, ele não nos abandona se buscamos e desejamos a graça. Pois no meio do inverno glacial de nossos pecados nasce o tempo da graça, assim como o sol no céu começa a subir desde o meio do inverno: e ele combate durante quatro meses, até abril, antes de ter completamente vencido o inverno. É assim que devemos nós mesmos, com a ajuda da graça divina, lutar contra o pecado e a ocasião do pecado, contra os hábitos maus e contra todo amor desordenado, contra a carne e o sangue, o demônio e suas tentações. Pois "tudo o que é nascido de Deus", diz São João, "triunfa do mundo" e não só do mundo, mas de tudo o que nele se encontra, alegria e sofrimento, e tudo o que pode atrapalhar, entravar ou distrair por imagens a livre ascensão íntima do amor para Deus. Esse desejo elevado de Deus e de todas as virtudes é bem semelhante ao sol que sobe em abril e faz tudo germinar e florescer, alegrando o mundo inteiro e preparando todas as criaturas, cada uma segundo sua natureza, para dar frutos, sob o efeito do calor do verão que vai vir. O mesmo acontece com o livre desejo elevado, que é desapegado e despido de todas as criaturas, fechado ao mundo e aberto a Deus e aos seus dons: quando o sol da graça penetra nesse coração aberto e elevado, ávido de Deus e de todas as virtudes, todas as potências da alma se regozijam nessa nova experiência da graça de Deus. Pois Deus se mostra à alma elevada tal como ele é em sua natureza, isto é, sem figura nem imagem, sem forma nem modo, sem medida e sem fim: é assim que ele é o objeto dos desejos elevados e da alma despojada. Deus está acima de todo nome e sua natureza não conhece nome; contudo o coração amante o nomeia de muitas maneiras em suas obras; pois Deus é tudo o que ele deseja, muito mais mesmo do que pode desejar; ele é para cada um superabundância e saciedade de amor: ele é plenitude de todos os bens para aqueles que só o desejam. CAPÍTULO XLVII O sol no céu espalha calor e luz, e a terra produz vida e frutos: e essa é toda a vida natural. Deus nos dá sua graça e nós lhe damos em troca tudo o que podemos em homenagens, virtudes e toda sorte de boas obras: e nisso consiste toda a nossa vida espiritual. Mas essa não é a nossa vida mais alta. Pois, como se pode notar, enquanto o sol sobe no céu, até o signo que se chama Câncer, todos os frutos da terra brotam e crescem; no entanto, ainda não estão maduros nem prontos para o nosso uso. Mas é quando o sol começa a descer no signo chamado Leão que ele espalha seus raios com mais calor, dando a todos os frutos plena maturidade, tornando-os aptos a suprir as necessidades e a utilidade de todas as criaturas. Da mesma forma, quando o homem está livre e desapegado de todas as criaturas e se eleva em plena liberdade de desejo para Deus, tão alto quanto pode, o sol da graça então espalha sua luz e lança seus raios sobre esse desejo elevado e livre, e todas as potências da alma se movem para responder à graça de Deus que as atrai. E essa é a causa de uma inquietação e de uma impaciência de desejos: pois tudo o que a alma dá a Deus ou recebe dele parece-lhe muito pouco; ela sente entre ela e Deus um intermediário e uma diferença, e é a graça de Deus que ela não pode vencer. Pois ela ama a si mesma e ama a Deus, e por isso vive em ardor e em impaciência; ela sente falta do que deseja dar e receber, e diz com o Apóstolo em sua impaciência e grande desejo: "Desejo ser liberto e estar com Cristo." Ela entrou, de fato, no signo do Câncer, o mais alto que pode subir com o sol da graça divina; e porque encontra uma diferença entre ela e Deus, e porque ama e deseja a unidade, ela possui com justiça e merece a honra e a graça sublime de Deus de que sua vida é inundada, mas ela não saboreia o mais alto grau do amor; pois nela ainda reina algo de sua própria vontade: e por isso, não podendo mais subir mais alto por meio da graça, ela se humilha e diz com Cristo: "Senhor, não a minha vontade, mas a sua vontade seja feita." E esse é o auge de sua vida; e então ela retorna a si mesma e pratica seus exercícios com a graça de Deus, assim como fazia antes; mas se ela deixa suas práticas esfriarem, ela perde a graça de Deus e tudo o que havia obtido pela graça e pelas virtudes. CAPÍTULO XLVII A caridade vive em uma liberdade sem constrangimento e a liberdade em uma caridade eterna. A caridade em um espírito puro serve apenas a Deus, e ela é pura de todo pecado. Sua filha é a caridade que se exercita e se dá a todo o mundo; ela vive nas potências da alma; ela deve servir a todo o mundo em virtudes e em amor; ela é cheia da graça divina. CAPÍTULO LXXIX