====== Escolasticismo e Misticismo (BLC) ====== BalthasarLC Uma passagem do relatório de seu julgamento ilustra bem a atitude de Máximo em relação às Escrituras. O bispo Teodósio lhe sugere, a respeito das duas vontades em Cristo, que seria melhor ater-se às “palavras simples” das Escrituras (haplās phōnàs dexasthai), sem entrar em especulações elaboradas. Máximo responde: Ao dizer isso, o senhor está introduzindo novas regras de exegese, estranhas à tradição da Igreja. Se não se pode aprofundar nos ditos das Escrituras e dos Padres com uma mente especulativa, toda a Bíblia desmorona, Antigo e Novo Testamento igualmente. Ouvimos, por exemplo, o que Davi diz: “Bem-aventurados aqueles que estudam seus testemunhos, que o buscam de todo o coração” (Sl 119:2); isto significa que ninguém pode buscar e encontrar a Deus sem um estudo aprofundado. Novamente ele diz: “Dá-me entendimento, para que eu estude a tua lei, e então a guarde de todo o meu coração” (Sl 119:34); pois o estudo especulativo leva a um conhecimento da lei, e o conhecimento desperta o amor e o anelo e faz com que aqueles que são dignos possam guardar a lei em seus corações, observando seus santos mandamentos. Novamente ele diz: “Maravilhosos são os teus testemunhos; por isso a minha alma os estuda” (Sl 119:129). Não exigem os Provérbios que reflitamos sobre suas parábolas e enigmas e ditos obscuros? O Senhor, que fala em parábolas, não insiste para que os discípulos as entendam, explicando seu significado ele mesmo? Não ele mesmo ordena: “Examinem as Escrituras!” (Jo 5:39)? E o que Pedro, o chefe dos apóstolos, quer dizer quando nos ensina que “Os profetas buscaram e refletiram sobre a salvação” (1 Pe 1:10)? O que o divino Apóstolo Paulo quer dizer, quando afirma: “Se o evangelho está velado, está velado para aqueles que estão sendo destruídos, cujos olhos espirituais o deus deste mundo cegou, para que a luz do conhecimento de Cristo não entre neles” (2 Cor 4:2-3)? Parece que o senhor quer que nos tornemos como os judeus, que encheram suas mentes com as “palavras simples” da Bíblia — em outras palavras, com a letra da Escritura sozinha —, como se fosse tanto lixo, e assim se afastaram da verdade; eles carregam uma cobertura sobre seus corações, para não verem que “O Senhor é Espírito” (2 Cor 3:17), escondido dentro da letra, e que ele diz: “A letra mata, é o Espírito que dá a vida!” (2 Cor 3:6). Pode ter certeza, reverendo senhor, que eu nunca aceitarei um conceito das Escrituras se eu não tiver realmente compreendido seu significado. Eu não me comportarei abertamente como um judeu. Esta passagem diz mais que o suficiente. Ela nos dá o direito de supor que o ato teológico de meditar nas Escrituras, que para Máximo havia se tornado novamente uno com o ato da contemplação espiritual ou mística, serviu como o veículo e meio de todo o seu pensamento. Hans-Georg Beck observou corretamente que a teologia dogmática e a ascensão espiritual a Deus, segundo Máximo, não oferecem uma à outra “nenhuma oposição. E o que é correto em sua visão, dogmática e espiritualmente, não é outra coisa senão o fruto de uma compreensão aprofundada da Bíblia.” Se ainda possuíssemos os seus comentários sobre o Cântico dos Cânticos e Eclesiastes — os mesmos livros que Gregório de Nissa escolheu para interpretar —, sem dúvida encontraríamos ali uma confirmação de o quanto o encontro final de Deus e da criatura em Cristo — esse ponto de encontro de nosso conhecimento de Deus em si mesmo (theologia) e nossa experiência de Deus na história (oikonomia) — era para Máximo, não um problema de conhecimento, de gnosis, mas sim de amor cristão e anelo, de eros; por essa razão, a instrução mística, no seu melhor, fornece um testemunho teológico maravilhoso. Na genuína tradição de Orígenes (e indo além do Pseudo-Dionísio nesse aspecto), Máximo fala da “santa tenda do amor”, escondida nas profundezas de Deus, onde o “mistério impressionante da união é celebrado além dos limites da mente e da palavra, um mistério no qual Deus se torna uma só carne e um só espírito com a Igreja, que representa a alma — e a Igreja com ele. Ó Cristo, fico maravilhado com a tua bondade.” No mesmo sentido, ele interpreta o encontro de lábios no beijo litúrgico como apontando para o “crescimento conjunto” no amor do Logos, que é a boca de Deus, e da alma que responde à palavra dele. Todo o empreendimento filosófico de Máximo , que descrevemos, está a serviço dessa síntese mais elevada, que é puramente bíblica; a função dele é evitar que a criatura, entendida em sua identidade essencial, seja oprimida e ofuscada nesse encontro amoroso com Deus, aberta ou implicitamente, a tal ponto que seja reduzida apenas ao nível de uma “aparência”. Ao preservar os direitos metafísicos da humanidade — na natureza humana de Cristo e na pessoa humana comum —, Máximo também fornece o apoio para o direito do ser humano à graça. Essa é a razão de sua rejeição veemente das tentações do monofisismo e do monotelismo, de sua crítica às suposições de fundo do origenismo, da aceitação e nova ênfase na realidade criada, conforme defendida pelo Pseudo-Dionísio. Apenas tal metafísica estabelece um alicerce profundo o suficiente para suportar uma síntese abrangente e forte o suficiente para permitir que diferentes elementos da espiritualidade oriental sejam adicionados à estrutura sem colocar em risco a coesão nem o significado dela. Esses elementos adicionais tiveram, no processo, de ser “treinados” — de ser elevados ao nível superior de um encontro livre, na graça, com o Deus da Bíblia. No século VII, pelo menos, isso não teria mais sido possível sem o poderoso papel intermediário da filosofia, bem como de uma teologia que trabalhasse com conceitos claros. Sínteses entre o Oriente e o Ocidente baseadas simplesmente em uma semelhança de “espiritualidades” ou “experiências místicas” não puderam ser alcançadas nem mesmo então — muito menos hoje! Assim, devemos julgar como inadequado qualquer programa que tente simplesmente fazer com que a Índia e a Europa se encontrem na metade do caminho do hesicasmo bizantino, na prática da oração de Jesus e de certas posições corporais e exercícios de respiração — todas as formas pelas quais o cristianismo oriental se reorientalizou após o período da grande síntese. Menos adequadas ainda são todas as tentativas de introduzir práticas indianas e do leste asiático na vida da Igreja Cristã sem qualquer justificativa filosófica ou teológica. Diante de tal ingenuidade — que nunca leva à aquisição do que é estrangeiro, mas apenas à perda do que é próprio —, o exemplo de Máximo deve servir de inspiração para nós: o grau final e mais elevado de reconciliação ocorre apenas dentro do alcance ativo da inteligência clara, perspicaz e decisiva. O poder do pensamento é a força que transforma o mundo.