====== Gerhard Wehr (CHJB) – Auto(?)-iniciação de Boehme ====== CHJB:44-46 Pode-se //recordar// o extrato, citado acima, de “A Aurora” onde ele //evoca// o “triunfo no espírito” que //resulta// do ato “onde a vida é //engendrada// no meio da morte”. Aí, novamente, //pode-se admitir// que há uma referência concreta. De fato, em 29 de janeiro de 1600, portanto muito pouco tempo depois da “//ruptura// espiritual” relatada em “A Aurora”, //nasce// o seu primeiro filho, Jakob. Quem não //contesta// a priori a dimensão do sobrenatural no domínio do espírito não //identificará// a experiência de iluminação de Böhme a simples projeções psíquicas de um jovem sensível. “Quando //se sabe// quão, precisamente na filosofia de Böhme, o espírito e a vida //se entrelaçam// estreitamente, não se //pode duvidar// da correlação que existe entre os dois eventos”, //nota// Hans Grunsky. Talvez //se pudesse formular// esta correlação dizendo que, “em, por e sob” os eventos exteriores reais, //expressa-se// para Böhme um vivido interior. Böhme é um homem que //percebe// com os seus olhos. Pela via da contemplação, ele //atinge// a visão e de lá à compreensão que //penetra// “até no //engendramento// mais íntimo da divindade”. Os eventos exteriores da sua vida — casamento, nascimento — //puderam ajudar// o jovem sapateiro a //desencadear// a sua experiência psíquica. No entanto, estes eventos só //se tornaram// transparentes para ele na medida em que, de repente, ele //foi capaz// de ver e ouvir com os olhos e os ouvidos do espírito. Na concepção goetheana da natureza, onde todos os fenômenos do mundo empiricamente cognoscível //são reveladores// de um mesmo fenômeno original e fundamental, e o //representam// incessantemente sob novas formas (“metamorfoses”), //reflete-se// sem dúvida alguma — sem que, contudo, o poeta e pesquisador de Weimar o //diga// expressamente — o espírito de Böhme. Assim, pois, o sapateiro de Görlitz //transpõe// um limiar da consciência. Na história do conhecimento humano, outros “iniciados” //conheceram// tais “//transposições// de limiar”. É assim, por exemplo, que Apuleio de Madaura (que viveu no segundo século depois de Jesus Cristo) //relata// a sua experiência de iniciação: “Fui até a fronteira entre a vida e a morte. Transpus o limiar de Prosérpina e, tendo atravessado todos os elementos, //retornei//. À hora da meia-noite, na noite mais profunda, //vi brilhar// o sol com o seu brilho mais luminoso.” Este “sol da meia-noite”, Böhme //também teria// o privilégio de //o perceber//: “Posso //dizer-vos// que luz e que confirmação isso //traz// quando //se encontra// o //Centrum naturae//. Mas não //se chega// lá pela mera razão própria.” Na passagem de “A Aurora”, citada acima, que //contém// o relato da sua experiência de iluminação, Böhme //continua// assim: “Nesta luz, o meu espírito //pôde// imediatamente //ver// através de tudo” — a noção de //transparência//, inerente a esta experiência, é assim claramente expressa — “e //reconheci// Deus em todas as criaturas, e também nas plantas e na erva dos campos; //vi// quem Ele era, e como Ele era, e qual era a Sua vontade. E imediatamente, nesta luz, o meu desejo //se manifestou//, com grande ardor, de //descrever// a realidade (Wesen) de Deus...” E eis //explicada// a razão primeira, ao mesmo tempo que o tema, da sua atividade de autor. Böhme //percebe// perfeitamente a natureza da sua visão, e ele //se explica// claramente, tanto em “A Aurora” quanto em seus livros ulteriores. “Não //imagines// que //subi// ao céu e que //vi// tudo com os meus olhos de carne. Oh, não! //Ouve-me//, anjo semivazio, //sou// como tu, e no meu ser (Wesen) exterior não //possuo// uma luz maior que tu. E como tu, //sou// um homem, pecador e mortal, e todos os dias e a toda hora //devo// me //desentender// e //lutar// ‘com o diabo’”. A vida do iniciado //desenrola-se// também no mundo de todos os dias, e esta realidade cotidiana é //apreciada// por Böhme exatamente pelo que //vale//. “Nossa vida é como uma guerra permanente contra o diabo ... No entanto, uma vez que ele é vencido, a porta do céu //se abre// no meu espírito. Este //vê// então o ser (Wesen) divino e celestial; não é fora do corpo, é na fonte do coração que //se desencadeia// o raio para os sentidos do cérebro, onde o espírito //especula//.” Várias vezes, Böhme //sublinha// que não //buscou// voluntariamente este conhecimento. Ele //se alinha// com o profeta Jeremias quando //declara//: “Mas o Deus que fez o mundo é muito forte para mim. //Sou// a obra das Suas mãos. Ele me //colocará// onde Ele quiser.” Ou ainda, ao final da obra inacabada que é “A Aurora”: “Não foi pela razão, nem pela minha vontade prévia, que //cheguei// a esta opinião, ou a este trabalho e a este conhecimento. Não //busquei// esta ciência, nem sequer //tinha// ideia dela”. “E novamente, ele //alude// à sua luta contra a melancolia e contra o diabo: “//Busquei//, sozinho, o coração de Deus para me //abrigar// contra as intempéries do diabo. //Reduzido// às minhas próprias forças, //sou// um homem cego entre todos, e não //posso// fazer nada. É somente no espírito de Deus que o meu espírito inato //vê// através de tudo, embora nem sempre de forma perseverante; é somente quando o espírito do amor de Deus //rompe// através do meu espírito que o //engendramento// da alma e a divindade //constituem// uma só realidade, um entendimento e uma luz (ein Wesen, eine Begreiflichkeit und ein Licht).” O que ele //relata// em “A Aurora” sobre a sua experiência espiritual, Böhme o //confirmará// em seus testemunhos ulteriores. No entanto, é preciso //distinguir// entre a grande experiência de iluminação de 1600 e os eventos ulteriores da mesma natureza, que não //se manifestam//, contudo, “nem sempre de forma perseverante”. Em seu primeiro escrito apologético (“Contra Balthasar Tilken”), datado de 1621, Böhme //relata// que “o espírito //passou// como um relâmpago e //viu// até o fundo da eternidade; ou ainda, foi como uma chuva que passa, ela //atinge// o que ela //atinge//. Foi também o que //ocorreu// em mim.” Por outro lado, Böhme //viu// em sua vida, e em sua obra de autor, um exercício espiritual que lhe //permitiu// subir “degrau por degrau”, como na escada de Jacó. “//Vi// a escada de Jacó, e por ela //subi// ao céu.”