====== Deghaye (CHJB) – Boehme, Pai (Ungrund) e Filho (Grund) ====== CHJB O Pai celestial, chamado //Ungrund//, a Divindade sem fundo, deseja seu Filho, que é o fundo (//Grund//) ou o lugar (//Stätte//) onde ele vai se estabelecer. No Filho, a Divindade se engendra eternamente. No plano da eternidade relativa do ciclo setenário, Deus também se engendrava, mas na dor. Era na angústia, no terceiro grau, que Deus começava a se sentir a si mesmo, o que era o prelúdio de seu nascimento. Na eternidade do ternário superior, é com deleitação que Deus nasce a si mesmo na pessoa de seu Filho. Distinguem-se dois modos de nascimento na teosofia de Böhme. Um se dá com uma ruptura, o outro magicamente. Em «Mysterium Magnum», Böhme comentará o sexagésimo oitavo capítulo do Gênesis. Grávida das obras de Judá, Tamar dá à luz dois gêmeos. Um foi nomeado Perez, de um nome que significava brecha. Para Böhme, Perez é o tipo do novo Adão que nasce abrindo uma brecha. O novo Adão será o Cristo que abrirá uma brecha no inferno, o reino da ira, para libertar a vontade justa que ali se encontrava aprisionada. Pode-se comparar a essa imensa ruptura feita por Cristo na escuridão do Pai aquela do raio, no terceiro grau da natureza eterna. Ali também, o raio rasga a noite do Pai e preludia o nascimento do Deus de luz. A esse parto violento e tão doloroso pode-se opor o nascimento mágico. Böhme fala da posteridade que Adão deveria ter gerado se não tivesse sucumbido a seus pensamentos perversos. Teria sido uma geração mágica, ou seja, sem ruptura nem dor. Adão não gerou assim, pois cedeu ao sono, o que foi seu verdadeiro pecado perpetrado sob a inspiração de Satanás. Ora, durante seu sono, uma brecha se abriu no corpo glorioso de Adão, que assim foi destruído. O nascimento de Eva é o contrário desse nascimento mágico que deveria ter sido o da posteridade de Adão. Quando Deus se engendra a si mesmo no ternário transcendente, e não mais nos limites do ciclo setenário da natureza eterna, tudo acontece magicamente. A magia é ao mesmo tempo a perfeita sutileza do desejo e sua eficácia. Entre esse desejo definido no nível mais elevado da vida divina e a fé humana, que é também um desejo, uma forte vontade, há uma analogia certa. No entanto, é para a abertura de uma brecha em nosso ser terrestre, no velho Adão, por sua quebra, que Deus nasce em nós. Como nosso nascimento terrestre, o parto espiritual se dá na dor. Por outro lado, a geração do Filho na transcendência, fora da natureza, é puramente mágica. A palavra magia apresenta uma conotação de doçura. A substância da qual o desejo se nutre para desabrochar em si mesmo, simbolizada pela água untuosa na qual a luz resplandece, é a doçura. No ciclo setenário, a doçura é precedida pela aspereza. No ternário superior, não há mais aspereza. A teologia trinitária que se sobrepõe à teoria dos três princípios parece querer fazer esquecer todo o movimento dramático que é próprio da teosofia de Böhme. No entanto, ela ainda é uma teologia concreta. À sua maneira, Böhme é sensualista: em qualquer nível que o consideremos, seu Deus é um Deus sensível. A Divindade que nasce a si mesma nas regiões situadas fora da natureza é um Deus que se saboreia na doçura de seu eterno cumprimento. O Deus de Böhme se engendra pelo desejo. É também pelo desejo que ele engendrará a natureza ideal, depois nosso mundo. No nível mais elevado, aquele que consideramos agora, é o desejo que produz a vontade, enquanto que no limiar da natureza eterna, é o contrário. Böhme diz que a vontade é o mago: ela é o espírito da magia. Sob esse aspecto, a magia é uma executora. Ela é a eficácia da vontade. Ela faz pensar na Sabedoria obreira, que Böhme evoca às vezes sob os traços do Espírito Santo chamado mestre de obras (//Werckmeister//). É a magia que é propriamente criadora. Ela é como um fluido que se espalha em todos os graus da manifestação divina e que simboliza a perfeita sutileza do desejo criador. A magia é uma com a vontade, que é o espírito diretor. É ela que faz aparecer as formas e está muito intimamente associada à imaginação. Quando Böhme fala de imaginação, ele não entende nada menos que a //folle du logis//. Ele distingue bem entre uma boa e uma má imaginação. No entanto, uma e outra são produtoras de realidade, para o melhor e para o pior. Simplesmente, uma é divina, a outra satânica. A imaginação perversa é designada mais particularmente pela palavra //Phantasey//. Em Böhme, a imaginação nada tem a ver com a concepção moderna de uma fabulação literária e puramente gratuita. O teósofo encontrou em Paracelso a noção de uma imaginação mágica que é a verdadeira faculdade imaginativa, //imaginatio vera//, e a transpôs do plano da ação humana para o da vida divina. É pela imaginação que Deus produz os mundos, primeiro fazendo-os aparecer no espelho da Sabedoria, depois os atualizando. A imaginação é a faculdade de produzir imagens. Ora, a imagem não é em Böhme uma pálida imitação da realidade já percebida. Ela é ela mesma uma realidade que se elabora e que se torna pela primeira vez perceptível. Em alemão, imaginação se diz //Einbildung//. Este substantivo é formado a partir do verbo //einbilden//, que reproduz perfeitamente o latim //informare//: dar uma forma, moldar. É nesse sentido primário que Böhme entende o ato de imaginar. Para ele, a imaginação é verdadeiramente criadora de formas. Ela modela a substância e a atualiza. Além disso, a palavra //Bild// ou //Bildnis//, que significa imagem, também assume em Böhme, segundo seu sentido etimológico, a acepção de uma forma (//Gestaltnis//) concebida como corporeidade. A primeira imagem de Deus é sua Sabedoria, e a Sabedoria é o corpo de Deus. Ela é a forma que contém todas as formas. No nível do ternário superior, a Sabedoria suprema, que forma como um quarto termo, é uma esfera, como a própria alma. Essa esfera aparece como a figura primordial da Divindade, em concorrência com o corpo humano que está nela desde toda a eternidade. Mas ela se confunde com esse corpo, pois se apresenta sob o aspecto de um olho que é seu resumo. A esfera primordial a partir da qual se explicita toda a //Psychologia vera//, na primeira das «Quarenta questões sobre a alma», é o olho de Deus. A primeira "objetivação" do //Ungrund// é esse olho que é ao mesmo tempo a luz e um espelho. Deus é primeiro uma visão e essa visão já é o desejo de fazer aparecer o que está escondido. O desejo de Deus é de se conhecer e de se fazer conhecer. Ele é a causa de sua eterna efusão. Por sua imaginação criadora, Deus produz formas no espelho de sua Sabedoria. A totalidade dos três princípios, isto é, a natureza eterna e nosso mundo, encontra-se já nesse espelho da Sabedoria primordial. Se Deus, no //Ungrund//, não é nada, essas formas que surgem pela primeira vez são o produto de um ato que se assemelha a uma //creatio ex nihilo//. A magia, segundo a definição particular de Böhme, consiste em produzir uma realidade a partir do nada. Mas, subsequentemente, as mesmas formas não terão mais que ser atualizadas e, no nível do nosso mundo, assim como no plano da primeira criação, que é a dos anjos, não se poderá mais falar de //creatio ex nihilo// senão precisando com Böhme que Deus não tinha de onde extrair as coisas, senão em si mesmo, isto é, no espelho de sua Sabedoria.