====== Boehme (JBJC I,X) – Nascimento de Jesus ====== Jacob Boehme — Da Encarnação de Jesus Cristo (JBJC) Como o Verbo eterno se tornou homem, e da Virgem Maria **CAPÍTULO X. Do nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus; como, igual a todas as crianças dos homens, permaneceu nove meses no corpo de sua mãe, e o que é propriamente sua hominificação.** * Muito se tem disputado sobre a encarnação de Jesus Cristo, mas quase como cegos; disso resultaram todas as espécies de opiniões tendentes a entreter o homem e a deixar de lado a verdadeira encarnação, na qual reside nossa salvação eterna. A causa de tudo isso foi que se buscou na sagacidade e na ciência exterior, e não na verdadeira fonte. Se tivessem entrado na encarnação de Cristo, se tivessem nascido de Deus, toda discussão teria sido supérflua, pois o Espírito de Deus manifesta bem a cada um, em seu interior, a encarnação de Cristo, e sem esse Espírito nada se encontra. Pois como queremos encontrar isso na razão deste mundo, se isso não existe neste mundo? Mal encontramos na razão exterior um reflexo: somente no Espírito de Deus está o verdadeiro encontro. * A encarnação de Cristo é um mistério tão grande que a razão exterior nada compreende dele; pois se realizou nos três princípios e só pode ser sondado na medida em que se conheça profundamente o primeiro homem em sua criação, antes da queda; pois Adão deveria gerar de si mesmo seu semelhante segundo o modo da Santíssima Trindade, na qual o nome de Jesus estava incorporado, mas isso não pôde ser. Por isso deveria vir outro Adão que pudesse fazê-lo; pois Cristo é a imagem virginal segundo o modo da Santíssima Trindade: Ele é concebido no amor de Deus e nascido neste mundo. Adão tinha a substancialidade divina, e sua alma era do primeiro princípio, da qualidade do Pai; essa alma deveria levar sua imaginação ao coração do Pai, isto é, no Verbo e no Espírito de amor e pureza, e comer da substancialidade do amor; assim teria conservado em si o ser divino no Verbo da vida, e teria sido fecundada pelo poder emanado do coração de Deus; do qual então ela (a alma) se teria impregnado, por sua própria base, através da imaginação, e teria ela mesma fecundado sua substancialidade; donde teria resultado, pela imaginação e o abandono da vontade da alma, uma inteira semelhança segundo a primeira imagem, semelhança concebida no poder da substancialidade. * Mas porque isso não pôde ser em Adão, devido à terrenalidade nele fixada, isso se executou no outro Adão, Cristo, que foi assim concebido pela imaginação de Deus e pela entrada na imagem do primeiro Adão. * E podemos reconhecer que, porque o primeiro Adão levou sua imaginação à terrenalidade e se tornou terreno, o que fez contra o desígnio de Deus, o plano de Deus deveria, no entanto, permanecer. Pois aqui Deus o transferiu para o filho de Adão; introduziu Sua imaginação na imagem alterada e a fecundou com Seu poder e substancialidade divinos, ao mesmo tempo que voltou a vontade da alma da terrenalidade para Deus; de modo que Maria ficou grávida dessa criança que Adão deveria gerar, o que não pôde o próprio poder que caiu no sono ou na magia; sono durante o qual a mulher foi extraída de Adão, o que não deveria ter acontecido, pois Adão deveria fecundar-se a si mesmo, na matriz de Vênus, e gerar magicamente. Mas porque isso não pôde ser, Adão foi dividido, sua própria vontade do grande poder quebrada e encerrada na morte; pois ele não quis colocar sua imaginação no Espírito de Deus, seu grande poder deveria permanecer mudo na morte e deixar o Espírito de Deus colocar Sua imaginação nela e fazer dele o que quisesse. * Por isso o Espírito de Deus despertou dele dessa morte a vida e foi seu Espírito de vida, para que a imagem e semelhança de Deus (que desde a eternidade tinha sido vista na sabedoria divina) pudesse, no entanto, ser gerada e permanecer; pois ela existia desde antes dos tempos do mundo e desde a eternidade no espelho virginal, na sabedoria divina, e isso em duas formas; a saber, segundo o primeiro princípio do Pai, no fogo, e no outro princípio do Filho, na luz, e no entanto só era manifesta na luz; depois, no fogo, como numa magia, como uma possibilidade. Assim como o céu astral imprime na base afetiva do homem que dorme uma figura segundo seu poder, assim apareceu a imagem no centro da natureza do fogo, totalmente invisível; mas na sabedoria, no espelho da divindade, ela apareceu como uma figura semelhante a uma sombra, mas sem substância material, embora estando na essência do Espírito; o qual, ao se considerar no espelho da sabedoria, reconheceu e viu essa imagem, e premeditou trazê-la ao ser, para que Deus tivesse uma imagem ou semelhança viva e não mais precisasse se considerar como num espelho, mas se encontrasse na substância. Consequentemente, assim que a primeira imagem imaginou no poder severo, o que a tornou terrena e a matou, o Espírito de Deus conduziu Sua vontade e Sua vida na morte e retomou da morte a primeira vida em Si, para que a primeira permanecesse em toda obediência diante dEle e que só Ele fosse o querer e também o poder. * Reconhecemos, pois, que Deus entrou na imagem meio morta, em Maria, ouçam, e isso nessa mesma forma virginal que estava encerrada na morte, na qual Adão deveria ficar grávido e gerar, na castidade virginal, uma imagem segundo ele. É nessa matriz virginal prisioneira e meio morta que o Verbo de Deus ou coração de Deus, como o centro da Santíssima Trindade, se tornou, sem ofensa ao Seu ser, uma forma humana. E como a primeira matriz viva e virginal não quis em Adão obedecer a Deus, ela Lhe foi aqui, depois de ser retirada da morte, obediente; abandonou-se muito humildemente e prontamente à vontade de Deus. Assim foi, pois, retraçada a verdadeira imagem virginal na obediência a Deus; pois a primeira vontade deveria permanecer na morte, essa vontade que tinha imaginado contra a vontade de Deus; e uma vontade pura, obediente, surgiu, que permaneceu na doçura e no ser celestes, que não deixou mais a imagem brotar (elevar-se) nela (vontade) no fogo, na qualidade do Pai, mas permaneceu numa fonte, assim como a divindade só habita numa fonte, a saber, na luz, no Espírito Santo, e no entanto estende Seu domínio sobre todos os três princípios. * Assim devemos entender a encarnação de Cristo. Quando o Espírito de Deus despertou em Maria a vida virginal, que na essência terrena estava encerrada na morte e na fúria, essa vida se entregou doravante a uma só vontade, a saber, o amor de Deus, e se entregou ao Espírito de Deus; ela (essa vida) ficou assim grávida de uma verdadeira imagem virginal, o que deveria ter acontecido em Adão, mas não aconteceu, pois uma imaginação se entregou à outra. A imaginação de Deus recebeu a imaginação (de Adão) na morte e a trouxe de volta à vida, e essa vida imaginou novamente em Deus, ficou grávida de Deus: assim se tornaram a divindade e a humanidade uma pessoa; a divindade estava suspensa na substancialidade celeste que existia desde a eternidade, com reino, poder e majestade, isto é, o reino paradisíaco, o mundo angélico, enquanto o Espírito, e a sétima forma no centro da natureza, como está amplamente detalhado na terceira parte ou livro da vida tripla. A humanidade estava suspensa ao reino deste mundo. Mas como a vontade da humanidade se entregou à divindade, essa imagem virginal não foi em Jesus Cristo senão um hóspede neste mundo, e Sua divindade era um dominador desse mesmo mundo. Pois assim deveria ter sido com Adão: o menor e impotente submisso ao maior e todo-poderoso; mas a vontade de Adão foi para o menor e impotente, donde ele ficou sem nenhum poder e caiu no sono; depois retornou ao Criador. Mas em Cristo, essa imagem permaneceu fixa na substancialidade divina; a fonte terrena lhe estava suspensa e submetida; ela não dominava mais como em Adão e em Maria, Sua mãe, antes da alta bênção e manifestação da divindade; ela era serva; pois essa imagem estava atualmente no Espírito e no poder de Deus, soberana do terceiro princípio deste mundo. * A razão diz agora: Como, então, aconteceu essa encarnação? A vida começou, então, contra a ordem natural, no próprio instante da concepção, de modo que a porção proveniente de Maria ou a semente da mulher tomou vida imediatamente? Não, pois foi uma semente essencial que se moveu (tomou vida) em seu verdadeiro tempo natural, com a alma e o espírito, como todas as crianças de Adão; mas a parte divina, envolta da substancialidade e da sabedoria divinas, viveu de eternidade em eternidade: nada foi acrescentado nem tirado da divindade, ela permaneceu o que era, e o que não era, ela se tornou. Ela se entregou em substancialidade celeste e divina à essência e à substancialidade de Maria: a essência de Maria e a essência divina se tornaram uma pessoa, mas a essência de Maria era mortal e a essência divina imortal; por isso as essências de Maria tiveram que morrer na cruz e entrar na vida pela morte; no que cooperaram as essências divinas, do contrário teria sido impossível. Assim, a essência divina nos veio em auxílio e ainda agora nos ajuda a entrar, pela morte de Cristo, na essência e na vida divinas. * A hominificação de Cristo foi, pois, natural, como a de todas as crianças dos homens, pois a substancialidade celeste, divina, se deu com sua vida à substancialidade terrena meio morta: o mestre se submeteu ao servo, para que o servo pudesse viver; em nove luas, Ele se tornou um homem perfeito, permanecendo um verdadeiro Deus; Ele veio a este mundo da mesma maneira que todas as crianças de Adão, pelo mesmo caminho que todos os homens. — E isso, não porque tivesse necessidade, pois poderia ter nascido magicamente, mas porque queria e devia remediar nossa geração e entrada nesta vida impuras e bestiais. Ele devia nos seguir em nossa entrada neste mundo e daí nos conduzir à entrada divina, nos tirar da fonte terrena. * Pois se tivesse nascido magicamente, à maneira divina, não teria estado num estado natural neste mundo, pois a substancialidade celeste teria que ter engolido a fonte terrena; Ele não teria, pois, sido semelhante a nós. Como, então, teria querido sofrer a morte, entrar na morte e quebrá-la? — Mas não é assim: Ele é verdadeiramente a semente da mulher e entrou neste mundo pelo caminho natural, como todos os homens; mas saiu dele segundo o caminho divino, no poder e na substancialidade divinos, pela morte. Foi Sua substancialidade divina, viva, que resistiu na morte, que dela zombou e a quebrou, e introduziu, pela morte, a humanidade ferida, meio morta, na vida eterna. Pois a parte terrena, vinda de Maria, Sua mãe, que Ele tomou para Si, isto é, admitiu em Seu ser divino, morreu, na cruz, para a fonte terrena. — A alma se encontrou assim na substancialidade divina e entrou, como um príncipe vitorioso, no inferno de Satanás, isto é, na ira de Deus, e a extinguiu pelo amor e a doçura divina da substancialidade do amor divino. O fogo do amor penetrou o fogo da ira e afogou a ira na qual Satanás queria ser deus; assim o diabo foi feito cativo com as trevas e perdeu seu domínio, pois o aguilhão ou a espada do querubim ou anjo da morte, foi aqui quebrada. Foi para isso que Deus se tornou homem, para que nos introduzisse da morte na vida eterna e extinguisse, por Seu amor, a ira que queimava em nós. * Compreendam bem como a ira de Deus foi extinta; não pelo sangue mortal de Cristo que Ele derramou e sobre o qual os judeus zombaram dEle, mas pelo sangue da vida eterna, do Ser divino, que era imortal; esse tinha a fonte da água da vida eterna e foi derramado, na cruz, com o sangue exterior, e quando o exterior (sangue) morreu, o celeste o seguiu, mas ele era imortal. * A terra recebeu, pois, o sangue de Cristo, do que ela tremeu e estremeceu, pois a fúria de Deus foi então vencida nela e o sangue vivo a penetrou, sangue que, vindo do céu, da substancialidade divina, abriu os túmulos dos santos, abriu a morte, e traçou um caminho através da morte, que, por isso, foi dada em espetáculo; pois quando o corpo de Cristo ressuscitou, esse corpo foi um escárnio da morte, seu poder estava quebrado!