====== Inácio de Antioquia — Epístolas ====== Inácio de Antioquia — Epístolas Excertos das Epístolas, na tradução Cirilo Folch Gomes E permaneceram ocultos ao príncipe deste mundo a virgindade de Maria e o seu parto, bem como a morte do Senhor: três mistérios de clamor, realizados no silêncio de Deus. Pois bem, como foram manifestados aos séculos? Uma estrela brilhou no céu, mais que todas as outras; a sua luz era inexprimível, sua novidade causava espanto. Os demais astros, juntamente com o sol e a lua, rodearam a estrela em coro, enquanto a luz desta a todos excedia. Surpreenderam-se os homens e perguntaram donde provinha essa estrela tão diferente das outras. Desde então toda a magia foi exterminada, todo laço de malícia suprimido, extinta a ignorância, derrubado o antigo reino, pois Deus se manifestava em forma humana para a "novidade da vida" eterna. Começou a cumprir-se o que em Deus era obra consumada. Daí essa universal comoção: tratava-se de fato da extinção da morte. Nunca tivestes inveja de ninguém e ensinastes os outros a não tê-la. O que quero é justamente a prática do que ensinastes. Pedi para mim apenas a força interior e exterior, para que não só diga, mas queira ser cristão, não só seja chamado mas de fato seja. Pois se me mostrar realmente cristão, merecerei também ser chamado, e quando tiver desaparecido do mundo, então serei de fato fiel a Cristo. Nenhuma ostentação é boa. Pelo menos, Jesus Cristo, nosso Deus, mais se manifesta quando agora está oculto no Pai. Quando o cristianismo é odiado pelo mundo, o que importa realizar não é mostrar a eloquência da palavra, mas a grandeza da alma. Escrevo a todas as Igrejas e informe-lhes que morro livremente por Deus, se contudo não me impedirdes disso. Rogo-vos: não tenhais para comigo uma benevolência inoportuna! Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais chegarei a Deus. Sou o trigo de Deus, moído pelos dentes das feras para tornar-me o pão puro de Cristo. Acariciai, antes, as feras, para que venham a ser meu túmulo e nada rejeitem do meu corpo. Assim, depois de morto não serei pesado a ninguém. Então, quando o mundo não puder mais ver o meu corpo, serei verdadeiramente discípulo de Cristo. Rogai a Cristo para que, por esses dentes, me teme um sacrifício para Deus. Não vos dou ordens, como Pedro e Paulo: eles eram apóstolos, eu um condenado; eles livres, eu até agora um escravo. Mas, se morrer, tornar-me-ei um liberto de Jesus Cristo e ressuscitarei nele, inteiramente livre. Por enquanto, aprendo nos ferros a nada desejar. Nada me valerão as delícias do mundo e os reinos deste século. Melhor é para mim morrer por Jesus Cristo do que reinar até as extremidades da terra. O que procuro é aquele que morreu e ressuscitou por nós. Este é o momento do meu nascimento! Por favor, irmãos, não me impeçais de viver, não queirais que eu morra! Não ofereçais ao mundo quem deseja ser de Deus, não o enganeis com a fascinação da matéria! Deixai-me receber a luz imaculada, porque só então serei realmente homem! Permiti-me imitar a paixão do meu Deus! Se alguém o possui em si mesmo, compreenda o que desejo e compadeça-se de mim, considerando o que me impulsiona. O príncipe deste mundo quer arrebatar-me e corromper meus sentimentos em relação a Deus. Ninguém dos presentes queira ajudá-lo! Passai para o meu lado, isto é, para o lado de Deus! Não sejais dos que invocam Jesus Cristo mas desejam o mundo! Não habite entre vós a inveja! Se uma vez entre vós eu vier a suplicar (a vossa intervenção para livrar-me da morte), não me escuteis; ouvi, antes, o que agora vos escrevo, pois é na plenitude da vida que exprimo meu desejo ardente de morrer. Minhas paixões foram crucificadas, não há em mim fogo para amar a matéria. Não há senão a "água viva" que murmura dentro de mim e me diz: "Vem para o Pai"! Não me deleito com o alimento da corrupção, ou com as volúpias desta vida. Quero o "pão de Deus", a carne de Jesus Cristo, da raça de Davi, e a bebida do seu sangue, que é o amor incorruptível.