====== Conhecimento de si mesmo (COP) ====== ==== //Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)// ==== === Capítulo IV: A Humanidade === 5. O conhecimento de si mesmo O que Orígenes diz sobre o conhecimento de si mesmo é bastante diferente do que diz Plotino. Uma longa dissertação sobre esse assunto encontra-se no //Comentário sobre o Cântico dos Cânticos//, a propósito de Ct 1,8, que Orígenes cita seguindo a Septuaginta: //"Se não te conheces a ti mesma, ó formosa entre as mulheres, sai às pegadas dos rebanhos e apascenta os teus cabritos junto às tendas dos pastores"//. Nessa ocasião, Orígenes cita o famoso //"conhece-te a ti mesmo"//, atribuído a um dos sete sábios da Grécia (provavelmente Quílon de Esparta), mas Salomão, suposto autor do Cântico dos Cânticos, já o havia dito antes na frase citada. Salomão dirige-se à alma representada por uma mulher e a adverte. Mas para conhecer-se, ela deve saber que foi criada à imagem de Deus e que daí provém sua beleza. Se a alma ignora isso, estará entre os cabritos no Juízo Final. Conhecer-se a si mesma significa, portanto, conhecer sua origem divina. Isso lembra em Plotino a passagem sobre as almas que esqueceram que Deus é seu Pai. Em seguida, Orígenes desenvolve toda uma reflexão sobre o exame de consciência: a alma deve saber o que a leva a agir, se é um motivo virtuoso ou não, se sua ação é determinada por alguma das diversas paixões. Mas além desse exame de consciência pessoal e específico para cada ato, colocam-se as grandes questões metafísicas sobre a origem da alma, seu caráter substancial, sua corporeidade ou incorporeidade, se é simples ou dupla ou tripla ou composta de várias partes, se é criada ou não, se devemos aderir a uma das duas doutrinas sobre sua origem (o traducianismo ou o criacionismo), se foi criada antes do corpo, se há transmigração das almas para corpos sucessivos, se haverá um fim do mundo. A alma deve ainda perguntar-se, para conhecer-se, se existem outros espíritos análogos e diferentes dela, se é da mesma substância que os anjos ou se se torna assim pela graça, etc. Essa passagem é um catálogo de perguntas às quais Orígenes não dá respostas aqui: elas devem ser buscadas em outras partes de sua obra. Enquanto Plotino questiona a possibilidade do autoconhecimento, Orígenes, considerando essa possibilidade como certa, detalha como moralista o programa que ela implica. De fato, para a alma, o conhecimento de si mesma — desenvolvido por Orígenes em seus aspectos teológico (a imagem de Deus), ascético e moral (o conhecimento dos motivos de suas ações) e metafísico (os grandes problemas relativos à alma) — é uma necessidade. Se o negligenciar, ela seguirá os cabritos, animais inconstantes e volúveis, ou seja, seguirá as diversas opiniões dos filósofos: //"É um grande perigo para a alma negligenciar a ciência e o conhecimento de si mesma"//, pois nesse caso será rejeitada pelo Esposo, tanto mais quanto este lhe tiver demonstrado maior amor, se ela não tiver usado as capacidades que tinha para responder a essas questões.