====== Kolakowski (LKCE) – Angelus Silesius, Individuação e Deificação ====== LKCE Ora, sabemos, por outro lado, que é justamente o contrário. Devemos tratar as coisas de modo que toda diferenciação entre elas desapareça (//wenn du die Dinge nimmst ohn’ allen Unterscheid…// — I, 38 ); devemos, mais ainda, nos identificar com as coisas, a fim de alcançar a deificação desejada (//Mensch, allererst wenn du bist alle Dinge worden... etc.// — I, 192); sabemos, enfim, que a realidade finita, por ser temporal em cada uma de suas formas, de modo algum merece o nome de Ser que "é" verdadeiramente, mas deve justamente ser chamada de "nada", no sentido pejorativo do termo. Uma suposição se impõe ao espírito, a saber, que o mundo dos objetos finitos, separados uns dos outros, é em seu próprio ser — ou melhor, em seu quase-ser — o que se chama o mal. Se isso não é possível em outras coisas, pelo menos no homem, talvez consigamos mostrar esse "mal" da individuação, o que nos dá uma razão para supor que é somente em uma situação especificamente humana que conseguiremos descobrir a chave da contradição inerente ao panteísmo. De fato, nos textos de Scheffler, encontra-se repetidamente essa ideia eckhartiana da "realização de Deus no homem", que é a principal novidade pela qual a mística do Norte enriqueceu a tradição cristã. Ideia conhecida, frequentemente examinada, e, no entanto, embaraçosa, sobretudo se quisermos nos livrar por um momento da perspectiva que, em seu exame, a fenomenologia de Hegel tende a impor aos historiadores; é uma perspectiva à qual é fácil ceder, pois explica muito, mas também deforma muito, ao nos obrigar a organizar a antiga mística em categorias da história, que lhe são estranhas. Dispensaremos, portanto, por um momento ao menos, a ajuda discutível que o procedimento de decifrar o sentido dos fenômenos com a ajuda de seus desenvolvimentos ulteriores, que parecem explicar, mas muitas vezes induzem ao erro. Muitos dísticos, especialmente no Primeiro Livro, são a prova de uma convicção — que é uma blasfêmia impertinente para o ouvido de um devoto — que faz depender unilateralmente Deus da alma humana, como nestes versos célebres: //"Eu sei que sem mim Deus não pode viver um instante,// //Se eu me tornar nada, Ele por necessidade deve expirar" (I, 8).// Aparentemente, basta uma explicação que se refira a essa "indefinibilidade" temporal de Deus, da qual já se falou: é claro que Deus não vive "nem por um instante", uma vez que Ele se encontra justamente fora do curso dos instantes, que Ele, portanto, só é "algo" em suas epifanias finitas, ou, para usar a linguagem corrente, que Ele — simplesmente //é//. Outro dístico formula ainda mais claramente essa mesma ideia: //"Deus é verdadeiramente nada, e se Ele é algo,// //Ele o é apenas em mim, como me elege para si" (I, 200).// Por outro lado, todos os apelos à alma, que deve abandonar sua existência diferenciada, finita, a fim de se fundir com o nada divino em uma unidade indiferenciada, supõem que esse "algo", que a existência definida e submetida ao fluxo do tempo, é uma espécie de comércio patológico, uma forma de existência não apenas mais medíocre, mas francamente má. É assim que Deus, passando pelo ato da criação em seres finitos, degrada-se de certa forma ou transforma-se francamente em seu contrário, em um ser fortuito de quem dizer que "é" será sempre um exagero. "O chumbo se transforma em ouro, o acaso se dissipa quando, com Deus, sou transformado por Deus em Deus" (I, 102). O "acidente" e a "essência" (//Wesen//) — palavras herdadas da terminologia filosófica tradicional — figuram também em Silesius em sua acepção tradicional: o "acidente" é o Ser que passa; a "essência", somente Deus e a ideia de cada coisa, na medida em que é idêntica à divindade sem complexidade. É por isso que o conhecido apelo: //"Homem, torna-te essencial! Pois quando o mundo perece,// //O contingente desaparece, a essência permanece" (II, 30).// onde, nesse domínio "contingente", não se inclui apenas a existência terrestre e temporal do homem, mas sua existência individual em geral, não pode ser citado sem alguma dificuldade ao lado do apelo blasfemo — e, dir-se-ia, "romântico" — onde toda a expressão se centra na autoconsolação do "eu" individual que se iguala a Deus, não do ponto de vista de uma possível união mística, mas no contexto de dois seres distintos: //"Nada me parece elevado: sou a coisa mais alta,// //Porque mesmo Deus, sem mim, é insignificante para si mesmo" (I, 204).// ou ao lado desse outro dístico provocador, talvez o mais citado: //"O abismo de meu espírito clama sempre com um grito// //O abismo de Deus; diga, qual é o mais profundo?" (I, 68).// Seria obviamente um apaziguamento estéril, na presença dessas aproximações, fáceis de fazer para tantos textos místicos, dizer simplesmente que estamos diante de uma "contradição interna", se não somos capazes de dar sentido a essa contradição, ou seja, de ligar seus dois termos a uma estrutura de pensamento dentro da qual eles aparecerão como a expressão, dirigida em dois sentidos opostos, de um certo desejo de Deus original. Perguntamo-nos, de fato, se a encarnação de Deus no mundo dos indivíduos humanos dotados de alma pode ser considerada sua decadência, cuja causa deve permanecer enigmática, ou deve, antes, ser considerada a realização de sua natureza, uma transformação — desejada — da Ideia, impessoal, atemporal e abrangente, em um "eu" humano finito. Podemos, parece-nos, encontrar respostas afirmativas a uma e a outra dessas perguntas no texto de Silesius. Notamos que, ao procedermos a um certo tipo de aproximação entre os textos, o //Peregrino Querubínico// desenvolve suas visões nas trilhas batidas da mística neoplatônica. O homem — independentemente de saber se está consciente ou não — conserva sua identidade original com Deus, na qual não há lugar para a vida pessoal de um ego diferenciado: //"Antes que eu fosse algo, eu era a vida de Deus// //Por isso Ele se deu completamente a mim" (I, 73; cf. V, 233).// Ele é expandido e, assim como Deus, abarca o mundo (I, 86); sua alma, seu corpo e seu sangue estão impregnados de Deus (I, 216); não há, portanto, nada que ele não possa reencontrar em si mesmo (II, 149; IV, 183); ele é infinito (IV, 147) e eterno (V, 127). Parece, no entanto, que, desse ponto de vista, o homem não difere das outras coisas; de fato, como "Deus só gera Deus" (VI, 134), toda criatura deve participar em igualdade da natureza do Criador. Essa é a identidade entre a ideia eterna gerada na mente divina e esse espírito em si, que, por sua natureza, é indivisível. Nessa imagem do mundo, Deus é a única realidade autêntica, e o mundo inteiro da multiplicidade que lhe é hostil e estranha, o mundo em que as coisas são espacialmente determinadas e submetidas ao fluxo do tempo, constitui uma espécie de tela mistificadora que o homem ergue entre si e o absoluto. Sou eu mesmo o verdadeiro criador da multiplicidade que me aprisiona e me acorrenta como se fosse algo externo a mim; na realidade, a todo instante, me é dada a via que me permitiria desviar-me das cadeias da temporalidade que flui, dado que sou eu que as crio, por um ato que me isola benevolentemente de minha fonte: //"O mundo não te prende: tu mesmo és o mundo// //Que te mantém tão fortemente aprisionado em ti" (II, 85).// O pecado original, ato humano, não é outra coisa senão a confirmação dessa autoalienação, em virtude da qual desejo conservar minha própria particularidade e recuso, para minha própria perdição, retornar ao seio materno da deidade. O homem se condena a si mesmo (I, 137) e se salva a si mesmo (I, 20); ele se condena se deseja permanecer "si" (//Mensch, hüte dich von dir!// — V, 144. ), e se ele conservou as "palavras detestadas" e que conduzem inelutavelmente ao inferno: o "meu" e o "teu" (V, 238); mesmo Satanás seria Deus se pudesse rejeitar sua "busca de si" (//Seinheit//) (I, 143). O caminho da salvação é o caminho da autodestruição, da aniquilação mística; a fim de reencontrar Deus, é preciso se perder até a eternidade (V, 220), exterminar o "eu" próprio em benefício do "eu" divino (Y, 126). Deus se manifesta no homem quando o homem se abandona (V, 33; II, 140) para se tornar o que ele busca (VI, 184). A alma deificada se dissolve em Deus como uma gota d'água no mar (VI, 172-173), morrendo para tudo o que não é Deus (VI, 24). O que é importante em tudo isso é que essa extinção ou ainda essa //kenosis// mística não é — como para o espiritualismo católico ortodoxo — um dom da graça, mas um ato de livre decisão; "só depende de ti" (II, 155). A fim de alcançar o fim-começo desejado e "ser Deus em Deus" (I, 6), a fim, como Maria, de dar à luz Deus (I, 23; II, 101-104; IV, 216), basta impor à própria vontade essa renúncia de si, onde a passividade completa aparece como a consequência da livre atividade autodestrutiva; a fim de arrancar-se da roda dos tormentos que se preparou a si mesmo (I, 37), e tornar-se a própria luz para a qual se tende (I, 72), não se deve buscar ajuda externa. Deus está tão perto de Satanás quanto do Serafim, apenas o demônio, por si mesmo, vira-lhe as costas (V, 72); o homem se torna o que ele se propôs a adorar: //"Homem, no que amas serás transformado// //Deus serás, se amas a Deus, e terra, se amas a terra" (V, 200; cf. VI, 128).// O céu e o inferno se encontram "dentro" do homem (I, 82, 145) e cada um pode livremente escolher entre eles; quem em si escolheu a si mesmo, escolheu o inferno; quem escolheu Deus, tornar-se-á Deus. Deificado, vivendo ainda no tempo, ele se livrou do tempo, apropriou-se na terra do reino celestial (I, 253) e alcançou a morte libertadora antes da morte (V, 68; VI, 241). Reconstruímos assim, no pensamento de Silesius, o quadro completo do panteísmo quietista, acompanhado do programa do amor maniqueísta autoexterminador — amor inelutavelmente mortal. Obviamente, o uso do termo "maniqueísta" aqui é apenas um recurso retórico para dar realce à imagem. O dualismo radical de Deus e do mundo diferenciado não nos revela, de fato, um contraste entre dois domínios do Ser situados no mesmo plano ou sendo, no mínimo, igualmente reais; ele opõe o que é Ser puro ao mundo ilusório dos indivíduos. O //principium individuationis// é idêntico ao pecado original; é a vontade própria do homem que tende obstinadamente à autoafirmação e impõe, por isso, à realidade inteira uma diferenciação enganosa ou, em outras palavras, cria essa realidade, que nada mais é que pura negatividade na unidade primordial do Ser absoluto. O mundo das coisas é negatividade; no entanto, como o tomamos como ponto de partida quando queremos retornar à unidade primordial; como nossa linguagem se refere a ele — é somente cada vez que descrevemos a situação humana que Deus se apresenta a nós como negatividade, precisamente. O conhecimento de Deus, tal como pode ser expresso com palavras, sempre nos o apresentará em oposição às coisas finitas; de fato, é a partir delas que começa nosso conhecimento; na realidade, as coisas em si não são nada além da negação de Deus que, aliás, não pode ser realmente negado, uma vez que abarca a totalidade do Ser. Em outras palavras: nosso retorno a Deus é uma negação da negação, assim como na mística eckhartiana, uma união nova, depois que o "nada" das criaturas foi superado, uma desalienação do homem.