ANTONIO ORBE — DOCETISMO
Os gnósticos docetas seguiram a tendência contrária dos ebionitas, fazendo de Jesus quase um fantasma (daimon), e não um homem. E alguns deles a julgar por acusações muito repetidas dos eclesiásticos, o consideraram só de aparência mortal, « putativos homo ».
Desde logo, o corpo ou carne de Jesus constituiu sinal de contradição.
Segundo os ebionitas, não se contentou Jesus em receber sua Carne de Maria, nasceu também de seu pai São José. Segundo os docetas, nem de José nem de Maria recebeu nada corpóreo nem material.
Os eclesiásticos que faziam valer contra esses a virgindade de Maria para assegurar a natureza divina de Jesus, sublinharam, contra os docetas, o nascimento real, corpóreo, de mulher. Do contrário, teria sido Jesus um fantasma de homem.
Tertuliano indica um dos motivos: a realidade da Carne de Jesus dava vigor e unidade aos grandes mistérios do nascimento, paixão e ressurreição de Jesus, e em consequência, ao mistério da humana anastasis. Assim é que Tertuliano em sua obra « SOBRE A REENCARNAÇÃO », atenta muito mais em provar a Carne que o mistério da encarnação.
Não sendo carne nem osso como os demais homens, Jesus seria um fantasma incorpóreo, um daimon. Daí o empenho, entre os eclesiásticos, por urgir a solidez e firmeza de seu corpo.
São Inácio recorre a um apócrifo posto nos lábios do Senhor redivivo: « E, ao dirigir-se (Jesus) aos que cercavam Pedro, lhes disse: “Tomai e apalpai-me e vede, que não sou daimon incorpóreo”. Neste ponto o tocaram, e creram, unidos a sua carne e espírito ».
Um fantasma não se deixa tocar. Os discípulos duvidavam de se realmente havia ressuscitado em carne:
Por que duvidais ainda e estais sem crer? Eu sou, o que os disse no tocante a minha carne, e minha morte, e minha ressurreição. E para que entendais que sou eu, ponha, Pedro, teus dedos nas marcas do cravos, de minhas mãos; e tu mesmo, Tomé, mete teus dedos na chaga da lança, de minha costela; e tu, André, olha meus pés e vê se tocam a terra. Porque escrito está no Profeta: « Uma fantasia de daimon não firma o pé na terra ». Mas nós o tocamos para reconhecer realmente se havia ressuscitado em carne, e caímos sobre nosso rosto, fazendo confissão de nossos pecados por haver sido incrédulos. (Ep. apostolarum, copta = etiópica)
O docetismo gnóstico
- 1. O aparente e o real
- 2. Falso docetismo
- 3. A verdadeira carne
- 4. Cassiano e o docetismo
- 5. Falsa ilação
- 6. Conclusão