Biblioteca de Nag Hammadi
O Diálogo do Salvador (III,5)
Este tratado se apresenta como diálogo bastante rápido entre o Senhor e seus discípulos, especialmente Judas, Mateus e Mariam. Esse quadro narrativo bastaria para estabelecer o caráter cristão do escrito, mas a proximidade com a literatura cristã vai mais longe: o texto parece construído sobre uma fonte de ditos do Senhor próxima da fonte “Q” dos Evangelhos ou da coleção subjacente a Evangelho de Tomé1
O texto está muito mal conservado e a leitura da maior parte das páginas é mais conjectural, pois elas estão reduzidas a um décimo de seu conteúdo. O argumento principal das exposições do Salvador gira em torno do momento escatológico da ascensão da alma. Para começar, Jesus tranquiliza os seus sobre a passagem diante dos arcontes, pois ele já abriu o caminho para o Pai (p. 120,1-121,2). A cosmologia ocupa largo espaço nessas exposições. Com efeito, segundo o autor, a reflexão sapiencial sobre o mundo e os sinais que ele dirige ao homem permitem entrever a obra criadora do Logos (p. 127,19-128,23; 129,16-131,18; 132,19-133,24).
Partindo dessa meditação cosmológica, o texto privilegia a gnose, que dá o repouso, em detrimento do batismo com água, que apenas realizou a passagem da morte à vida.
Quem desconhece as coisas da perfeição não compreende nada. Se alguém não se eleva nas trevas, não poderá ver a luz. Se alguém ignora como nasceu o fogo, se queimará, porque não conhece suas raízes. Se alguém começa desconhecendo a água, não sabe nada, pois para que lhe serve ser batizado? Se alguém desconhece o vento que sopra, sua origem, se dispersará com ele. Se alguém desconhece o corpo que carrega, sua origem, perecerá com ele (…).
E todas as coisas permanecerão ocultas para quem não reconheceu sua raiz. Quem não reconhecer a raiz da maldade não ficará estranho a ela. Quem não reconhecer como veio não pode compreender como irá e não será estranho ao mundo, que (perecerá) e será rebaixado (p. 133,21-134,24).
O fim do tratado, p. 137,3-147,23, desenvolve o tema da vitória da alma sobre os arcontes, quando de sua elevação ao céu.
Cf. a edição crítica de S. Emmel, The Dialogue of the Saviour (Col. Nag Hammadi Studies, n. 26), pp. 2ss, E. J. Brill, Leida, 1984.). ↩