Já o disse muitas vezes: há um poder na alma que não toca nem o tempo nem a carne: emana do espírito e permanece no espírito e é totalmente espiritual. Neste poder, Deus verdeja e floresce totalmente, com toda a alegria e toda a honra que tem em si mesmo. Reina uma alegria soberana e uma alegria tão incompreensivelmente grande que ninguém pode falar dela plenamente. Pois neste poder o Pai eterno engendra continuamente seu Filho eterno, de modo que este poder engendra conjuntamente o Filho do Pai, e engendra a si mesmo como este mesmo Filho, no poder idêntico do Pai. [Eckhart – Sermão 2 §8]
Identidade operativa, nascimento do Filho contemporâneo da invasão divina, rigorosa reciprocidade entre a ação do Pai e a ação do homem desapegado: os contornos do pensamento autêntico do Mestre Eckhart vão gradualmente se configurando.
A seguir, a identidade com Deus é circunscrita segundo três diretrizes: do § 8 como se realiza no intelecto, do § 11, na vontade, e no final do sermão, no próprio ser do homem. — Desta teoria dos três lugares de união, Mestre Eckhart foi convocado para se explicar perante a Inquisição. Também em seu escrito de defesa dá uma versão um tanto atenuada em comparação com o sermão “Jesus entrou”:
É exato, dirá então, como é dito (“neste sermão) que Deus como verdadeiro é recebido no intelecto, como bom, na vontade, que são poderes na alma, e que em seu ser se dá à alma em sua essência1.
A parte do sermão que falta comentar é dedicada a estes três modos de união.
“Há um poder na alma que não toca nem o tempo nem a carne: emana do espírito e habita no espírito e é totalmente espiritual. » Mestre Eckhart fala do que o místico franciscano chamava de “a ponta do espírito”2, e Agostinho “a cabeça, o olho, o rosto” da alma3. Ele introduz sua apresentação da união intelectual com Deus ao designar a região do espírito onde se realiza: “Neste poder, Deus fica verde e floresce completamente. » Na região mais elevada do intelecto, Deus vive e sempre viveu.
Contudo, correndo o risco de compreender mal o verdadeiro alcance dos ensinamentos de Eckhart, deveríamos ter cuidado para não ler ali uma declaração sobre a “natureza” do intelecto. O conceito de natureza para ele é muito complexo. Como dissemos, Eckhart fala menos sobre o que o homem é, antes do caminho da sua existência, do que sobre o que ele é chamado a tornar-se. Suas afirmações nunca devem ser tomadas como teses ou resultados de análises; não são “científicas”, no sentido em que os antigos se dedicavam à metafísica como “ciência”. A sua linguagem opõe-se à linguagem da metafísica, tal como uma palavra que mostra se opõe a uma palavra que nota. O discurso de Mestre Eckhart nos faz ver e, ao nos fazer ver, nos coloca no caminho.
RS, § II, art. 13 (Théry, p. 204). ↩
Apex mentis: Boaventura, Itinerarium mentis in Deum, I. — Alberto Magno disse pars superior animae (em I Enviado., ed. Borgnet, XXV , 121)., — Tomás, altissimus animae (De Veritate, 10, 1). ↩
De Trinitate, XV, vil, 11: Si sola anima cogitetur, aliquid eius est mens, tamquam caput eius, vel oculus, vel facies. ↩