Ouça com atenção o ensinamento que vou lhe dar. Eu poderia ter uma inteligência tão vasta que todas as imagens que todos os homens já receberam e as que estão no próprio Deus se encontram intelectualmente em mim; se aí, no entanto, eu não estivesse de forma alguma apegado, a tal ponto que em tudo o que faço ou não faço, não apreendo nada disso com apego — com seu antes e seu depois — mas que neste atual agora permaneço livre e liberado para a amada vontade de Deus e seu cumprimento sem trégua, na verdade, então seria virgem, livre de todas as imagens, tão verdadeiramente como era quando não era. [Eckhart Sermão 2, §§ 2 a 3]
A palavra-chave do segundo parágrafo é: eigenschaft, apego. Também pode significar propriedade. Apegar-se às imagens, e através delas às coisas, como a uma propriedade, deixa a mente atordoada e dificulta a recepção. “Eu poderia ser de uma inteligência tão vasta que todas as imagens que todos os homens já receberam e as que estão no próprio Deus se encontrem em mim intelectualmente…”, esta hipótese oratória de um homem que quer colocar a ciência de todas as coisas reunidas lembra o início do “hino à caridade” de São Paulo [I Cor. 13, 1]; aqui ela abre o elogio ao caminho de Mestre Eckhart: vejam quão grande deve ser o desapego daquele que quer ser livre e emancipado como foi em sua preexistência e como é em seu intelecto. Qualquer que seja o meu conhecimento, posso, no entanto, tornar-me “virgem”, porque todo o meu conhecimento só impedirá a recepção de Jesus em mim na medida em que o possuir com avidez. O apego fere a liberdade. Vemos: o que confunde a mente e se opõe à virgindade espiritual não são as representações como tais, mas é o apego às representações.
Só uma coisa importa: libertar-se das coisas e despojar-se. Deixe todo o apego aí e receba em troca a serenidade – tendo conseguido isso, serei livre como era quando não era. O caminho de Mestre Eckhart é o caminho do desapego.
Este mesmo parágrafo estabelece uma ligação entre o que Eckhart chama de apego e temporalidade. O homem apegado às coisas distende-se entre um antes e um depois, habita a duração, enquanto o desapego é uma questão de “este atual agora” (ou seja, in disem gegenwertigen nû). O homem desapegado vive o momento. Posto que é uma questão de “isto que faço ou não faço”, logo de obras. As obras são colocadas em paralelo com as representações intelectuais: podemos nos apegar a ambas como se fossem propriedade. Ter uma cultura, empreender obras: ambos são obstáculos desde que esta cultura e estas obras sejam adquiridas ou executadas ao longo do tempo, ou seja, projetadas, realizadas, possuídas. O “antes” de uma obra é o seu projeto (mais tarde encontraremos a expressão “obras premeditadas”), o “depois”, a sua recompensa. Projeto e recompensa são marcas de propriedade e não podem estar em conformidade com “a amadíssima vontade de Deus”. A duração é o modo de temporalidade correspondente ao apego.
A temporalidade do desapego, o momento, aniquila tanto o projeto quanto a recompensa. Ele é apenas ele mesmo. Qualquer que seja a minha ciência e quaisquer que sejam as minhas obras, se neste momento em que me dedico a elas eu as dispuser como não as tendo, se sou livre e emancipado em relação a elas como era na origem, então estou verdadeiramente desapegado. É neste “agora” sempre novo que o desapego ocorre e se verifica.
O que aqui vem fazer este desenvolvimento sobre o instante? Muitos são os autores, pagãos e cristãos, que nos deixaram confidências sobre um “arrebatamento” instantâneo em que a alma reintegra num êxtase feliz a plenitude original de onde provém. Através de alguma prática ou iluminação repentina, ela escapa das restrições deste mundo e saboreia, como um prisioneiro evadido da masmorra, as delícias da pátria.