EVANGELHO DE JESUS — PAIXÃO — CRUCIFIXÃO (Mt XXVII, 33-44; Mc XV, 22-32; Lc XXIII, 27-43)
VIDE: SACRIFÍCIO
EVANGELHO DE JESUS: Mt 27:33-44; Mc 15:22-32; Lc 23:27-43
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 25
Não pode surpreender a ninguém que as três cruzes levantadas no Gólgota para Jesus e os dois ladrões foram para os evangelistas um símbolo dos três terços psíquicos do homem carnal crucificado, com a mesma disposição triangular com que aparecem no presépio o “pequenino”, o boi e o asno (vide Boi e Asno). Como refere Lucas, os que caminhavam com Jesus até o Calvário: “Levavam outros dois malfeitores para executá-los com ele”. Destes dois malfeitores, a um deles, o chamado Dimas embora não nomeado pelos evangelistas canônicos, o corresponde simbolizar ao “bom ladrão”, tão resgatável para a vida eterna como os conteúdos psíquicos restantes em ruah. A ele é a quem o faz Jesus a grande promessa, desde a cruz, de levá-lo aquele mesmo dia com ele ao Paraíso. O outro crucificado, o situado à esquerda, é um salteador irremediável. Ambos malfeitores, o ladrão à direita e o salteador à esquerda de Cristo, na mesma posição que na Natividade o boi (fecundo) e o asno (irremissível) à direita e à esquerda do pequenino, são figuras de todos os malfeitores que se achegam ao redil antes que o Bom Pastor, com o propósito de roubar-lhe as ovelhas (vide Pastor e Ovelhas).
Mas o verdadeiro protagonista do Calvário, Jesus, está no alto do monte. Seu corpo é visível (manifesto). No momento de morrer “entrega seu espírito” (pneuma), ou melhor, “exala seu espírito” (o que recorda nesamah = alento, respiração). Espírito? Estas locuções não encaixam dentro da composição binária do homem — corpo e alma — que a psicologia cristã defende desde o tempo de Irineu de Lião. Tampouco é assinalável à configuração ternária paulina para o homem completo: corpo, alma e espírito, porque neste puro conceito cristão da igreja primitiva o espírito é o Ser, o Si mesmo e em tal caso, a locução evangélica que comentamos teria uma leitura impossível: “se entregou a si mesmo, se exalou a si mesmo”.
Por sorte, o evangelho de Lucas com sua evocação messiânica do Salmo XXXI que obriga literalmente a efetuar uma reintegração na psicologia testamentária israelita (vide Zohar Alma), transmite a chave interpretativa do texto. O pneuma é aqui, segundo as normas da versão grega dos LXX, a tradução habitual de nesamah (alento, respiração), como sublimação de ruah, quer dizer, o terço psíquico que junto com os conteúdos psíquicos “purgados como a prata”, ascendidos por purificação desde ruah, se constituem no resto misterioso que segundo Zacarias é chamado a habitar na Jerusalém celestial.
Nesamah é o “butim” particular que o Filho do Homem leva consigo depois de sua passagem pela vida terrestre. Por isso, agora, no difícil momento do trânsito, diz ao Pai: “Em tuas mãos encomendo meu espírito (nesamah)”.
Ananda Coomaraswamy: AUTO-SACRIFÍCIO
Andre Allard: L’ILLUMINATION DU COEUR
O Cristo salvador está na cruz e a cruz é a Árvore da Vida, a coluna central da árvore sefirótica que vai de Kether (a coroa) a Malkuth (o reino), a qual é a Shekinah, a Presença real de Deus aqui em baixo. E, assim como a coluna central da árvore sefirótica se encontra a coluna da Clemência e a coluna do Rigor, assim também a cruz de Cristo está plantada entre duas outras cruzes: uma à direita do Cristo, portando o bom ladrão que beneficiará da Misericórdia divina porque se voltará para o Cristo, o outro, à esquerda, portando o mau ladrão que o peso do Rigor esmagará eternamente porque se desviou do Cristo. Somos todos ladrões ou, melhor, «servidores inúteis», como diz Lucas; mas a Misericórdia divina suprindo a nossa fraqueza, desde que nos voltemos para Deus e seu Cristo e que cumpramos em nós a vontade do Senhor.