Crouzel Apokatastasis II

Henri CrouzelOrígenes, um teólogo controvertido

ORÍGENES, Un teólogo controvertido, Henri CROUZEL. Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1998, 379 p. ISBN: 84-7914-363-0, traducción española de la edición original en frances: Origène por las Monjas Benedictinas de la Abadía Santa Escolástica de Victoria, Buenos Aires (Argentina). Tradução de Antonio Carneiro das paginas 362 até 374

APOCATÁSTASE

2) É panteísta a apocatástase origeneana? Supõe ela que a união final das criaturas espirituais com Deus e entre elas ocorrerá pela dissolução de suas “hipóstase”, quer dizer, de suas substâncias ou personalidades ? Poderíamos invocar de novo a esse respeito os textos que acabamos de citar acerca de que os ressuscitados já não conhecerão a morte. Orígenes expressa frequentemente a união do fiel com Deus por 1 Cor 6, 17: “Aquele que se une ao Senhor é um só espírito com ele”, réplica de Gen 2, 24, citada anteriormente no mesmo versículo: “Serão dois em uma só carne”. Entre o fiel e o Senhor, como entre o marido e a esposa, tem às vezes união e dualidade. De modo semelhante define Orígenes o conhecimento, tanto o de Deus quanto o das realidades divinas — único que lhe interessa — , mediante Gen 4, 1: “Adão conheceu Eva sua esposa”, designando conhecimento pela união de amor. Podemos evocar também a famosa imagem empregada por ele para expressar a união da alma pré-existente de Jesus com o Verbo, a do ferro que, submergido no fogo, se torna fogo, o ferro se torna fogo no sentido de que aquele que o toca se queima, mas, entretanto, segue sendo ferro, de modo que a imagem expressa por sua vez a dualidade e a unidade. Não há aqui sombra de panteísmo.

No tocante à união com Deus e com Cristo, que será a da vida bem-aventurada, citemos dois textos entre outros. O primeiro é o do Comentário a João:

“Então, todos os que tenham chegado à Deus mediante o Verbo que está junto à ele terão uma única atividade, compreender a Deus, a fim de tornarem-se assim formados no conhecimento do Pai, todos em conjunto exatamente um Filho como agora só o Filho conhece o Pai.”

Em outros termos, todos os bem-aventurados, tornados em certo modo interiores ao Filho único, conheceriam ao Pai como o conhece agora só o Filho. Um texto equivalente, mas que fala não de um único Filho, mas sim de um único Sol a partir de Mt 13, 43, se encontra no Comentário sobre Mateus. Depois da ressurreição, os bem-aventurados brilharão “até que todos cheguem ao estado de homem perfeito e se tornem um único sol. Então brilharão como o sol no reino de seu Pai.” Posto que para Orígenes, Sol de Justiça é uma das denominações (épinioai) luminosas aplicadas ao Filho, tornar-se um único sol é também tornar-se um único Filho no Filho único. Mas, faz Orígenes de dita unidade de todos os homens entre si no Filho único uma representação panteísta? Isto estaria em oposição com a crítica que o mesmo Orígenes faz do panteísmo estoico em Contra Celso. Para os filósofos do Pórtico a história do mundo se compunha de uma sucessão de ciclos com duas fases. Na primeira a diakósmesis, quer dizer, a organização do mundo, este vai saindo de um fogo divino, em Deus representado em forma material; na segunda, a ekpyrôsis, a conflagração, o incêndio, o mundo é pouco a pouco reabsorvido no fogo divino. Orígenes julga assim esta segunda fase:

“Livre é o pórtico de entregá-lo tudo às chamas! Nós sabemos muito bem que nenhuma realidade incorpórea está destinada às chamas e que não podem dissolver-se no fogo nem a alma do homem, nem a substância (hipostasis) dos anjos, tronos, dominações, principados, potestades.”

Frente ao panteísmo materialista dos estoicos, que reabsorve todas as criaturas em Deus e, em consequência, não crê na imortalidade da alma, mas sim somente em uma “sobrevivência” — Orígenes a designa pelos termos de diamonè ou épidiamonè — que dura só até a conflagração seguinte, Orígenes afirma com clareza que a união com Deus não poderia suprimir as pessoas humanas nem as angélicas. Mais adiante, no mesmo livro, opõe novamente a conflagração estoica e a bem-aventurança cristã, mostrando que esta última é, certamente, a obra do Logos divino, mas que ela tem que ser necessariamente recebida e aceita pela liberdade humana:

“Os do Pórtico dizem que, uma vez que o elemento que eles pensam ser o mais forte (= o fogo que é Deus) tenha triunfado sobre os demais, se produzirá a conflagração na qual tudo se converterá em fogo. Nós afirmamos que um dia o Logos dominará toda a natureza racional e transformará cada alma em sua própria perfeição no momento em que cada individuo, usando simplesmente sua liberdade, elegerá o que quer dizer o Logos e obterá o estado que tenha escolhido.”

A liberdade do homem é um elemento essencial do caminho que conduz à apocatástase e veremos que também isto há de ser tomado em consideração. Em todo caso, estes dois textos que opõem a restauração final segundo o cristianismo à conflagração estoica excluem da primeira todo panteísmo.