Henri Crouzel — HUMANIDADE
A alma e o corpo (L’âme et le corps)
*Orígenes
**Por duas vezes Orígenes define o homem pela alma: no Peri Archon, “Me refiro aos homens, almas que usam corpos”; no Contra Celso: “O homem então, a alma usando um corpo”.
**Destas passagens podem se tirar várias conclusões: embora Orígenes fale das almas dos animais, estas são sem comparação com as dos homens; dada a polivalência do termo “corpo” em Orígenes, ele se refere ao corpo terrestre, ou esta definição se aplicaria também aos corpos etéreos.
**Tanto no Cristo como no homem Orígenes vê antes de tudo a alma.
**O corpo está a serviço do homem como uma besta de carga (iumentum) e ajuda a alma; Sua função é instrumental, acessória,
**Diferentemente de Irineu de Lião que vê a Imagem (eikon) de Deus no Verbo Encarnado, presente por toda a eternidade (aion) nos desígnios de Deus, e assim atribui ao composto humano sua participação (methexis) nesta imagem (eikon), Orígenes faz do Verbo somente no seu ser divino a “imagem (eikon) invisível do Deus invisível” e não põe sua participação (methexis) no homem a não ser na alma ou melhor em sua parte ou tendência superior, a inteligência (nous), coração ou faculdade hegemônica.
**O “segundo à imagem (eikon)” do homem não se aplica ao corpo, pois Deus não é corporal, apesar dos antropomorfismos bíblicos atribuindo a Deus e à alma humana membros corporais. A dignidade da imagem (eikon) emerge indiretamente sobre o corpo, pois este é o santuário que abriga o “segundo à imagem (eikon)”. Com mais razão o corpo de Jesus, seja histórico ou da Igreja que é também sue corpo, beneficia da mesma dignidade de conter a Imagem (eikon) de Deus.
**A alma do homem é radicalmente diferente da de todos os animais; a razão é que “a alma humana foi criada à imagem (eikon) de Deus”, e que é impossível “para sua natureza moldada à imagem (eikon) de Deus de perder absolutamente todos estes caracteres e recuperar outros, à imagem (eikon) de não sei o que, nos seres sem razão”. Os seres razoáveis que são as criaturas principais desempenham o papel de crianças postas no mundo, os seres sem razão e inanimados, aquele da placenta criada com o embrião (imagem (eikon) de Crisipo).
**Não se encontra em Orígenes discussão sobre os papeis respectivos da alma e do corpo nas paixões.
**Porque depois da queda das inteligências pré-existentes o corpo somente do homem revestiu uma qualidade terrestre e porque o homem foi posto no mundo sensível no qual o estado novo de seu corpo lhe fazia conatural? Ele foi posto aí porque era curável, como em um lugar de provação. Isto abre toda a problemática da relação da corporeidade sensível com o pecado (hamartia).
**Os historiadores de religião acham em Orígenes um certo dualismo entre Deus e a lei, que une o pecado à matéria.
**Os patrólogos, para quem, segundo Orígenes, a soberania absoluta de Deus não pode admitir nada a seu lado que possa parecer uma lei de natureza independente de sua vontade, discordam mas sem unanimidade.
**Para Orígenes é com uma intenção particular que Deus tornou material o corpo daqueles que pareciam curáveis e criou com a mesma intenção este mundo sensível: os homens sendo postos neste mundo “para aí serem exercidos”.
**Este exercício só pode ser entendido segundo a noção de pecado (hamartia) de Orígenes. O pecado consiste no apego ao mundo sensível, bom em si mesmo posto ser a imagem (eikon) das realidades celestes e criado por Deus, mas cuja meta essencial é de nos mostrar a direção destas realidades celestes e por sua beleza (kallos) delas nos dar o desejo.
**Apegar-se à imagem (eikon) como se fosse o absoluto que a alma busca, a tomar por meta enquanto não passa de meio, indicador por assim dizer, esquecer por ela seu modelo divino, é o pecado. Assim todo pecado é idolatria, do mesmo modo que todo pecado é um adultério em direção ao Esposo divino, o Cristo: tal é o aspecto teocêntrico.