Antonio Orbe — Cristologia Gnóstica
O problema inicial no tocante à pessoa de Cristo se põe desde o arranque da economia. Praticamente desde a vontade primeira em Deus de revelar-se a outros.
O silêncio absoluto, eterno, se reduz nEle a um ato imanente simplicíssimo, prévio a toda dualidade e superior a todo conhecimento (fórmula feliz dos Oráculos caldeus: “O Pai se subtraiu a si próprio, sem incluir sequer em sua potência intelectiva ao seu fogo”; vide também The Chaldean Oracles of Julianus).
A cristologia se inaugura quando Deus rompe o silêncio, dando subsistência à potência intelectiva e concebendo em si o Intelecto — nous -; entendido o silêncio divino como absoluto e eterno, que Nele se reduz a um ato imanente simplicíssimo, prévio a toda dualidade e superior a todo o conhecimento-ciência — episteme (Analogias com Numênio e outros)
Vide Xenofanes: A essência de Deus era esferoidal e nada tem semelhante com o homem. Todo ele vê e todo ouve…; em sua totalidade é intelecto, e mente, e eterno.
A simplicidade de Deus passa aos escritores eclesiásticos:
Frente à simplicidade de Deus contrapõe-se a composição peculiar do Filho (vide Tratado Tripartite).
Em linguagem ou ideologia gnósticas, a pessoa do Filho está integrada pela soma das perfeições, que o constituem mediador entre o Pai, simplicíssimo, e as criaturas. Deste modo a pessoa do Filho se define por uma multidão de éons — aion — (virtudes, formas,…).
Os valentinianos caracterizavam o Cristo mediante os 30 éons do Pleroma, enquanto expressão bivalente (topológica e cronológica) do Filho. Não contentes de enumerá-los e distingui-los por ordem de aparição e dignidade, acentuaram a comunhão que reinava entre eles ao nível do Intelecto. As 30 perfeições do Filho derivam do Intelecto, por meio deste conhecem o Pai, sem deixar de orientar-se para a criação. Todas realizam a unidade no Filho e se comunicam mutuamente, fisicamente, suas propriedades. Ptolomeu chega a uma formulação que evoca a fórmula de Xenofanes.
Vide Irineu I, 2,6 e Tertuliano Adv valent. 12,1.
O que Deus Pai em simplicidade, vem a ser o Filho por comunhão pessoal de éons. Deus não consente predicação estrita, pois nada pode-se afirmar Dele; nenhuma forma nem noção. Enquanto, o Filho sofre tantas predicações quantas são as formas (noções, éons) de que se compõe, e vem a ser todas e cada uma delas sem confusão, por “igualdade”.
O Pleroma das perfeições (30 éons, entre os valentinianos, muito mais entre outros gnósticos) admite um variedade de denominações, entre as quais Cristo.
Os valentinianos aplicam o termo Unigênito ao Filho, imanente ao Pai, síntese dos 30 éons, e em modo particular ao Intelecto, primeiro dos estritos éons (Irineu I, 1,1). Propositalmente deixaram sem denominação especial a segunda pessoa, para atribuir-lhe, com título igual ou parecido, um qualquer dos 30 nomes; desde o mais filosófico Nous e de sabor contemporâneo, até o bíblico de Sofia. De todas as denominações vinculadas aos 30 éons e conhecidos por dupla via, nenhum dos 30 responde à eficácia estritamente salvífica do Filho. Os que melhor respondem a ela são “Cristo” e “Espírito Santo”, que somados aos 30 anteriores, fazem o número 32, característico dos deuses de Valentino (vide Atos de Tomé). Somente eles conferem ao Pleroma a gnosis, em que consiste a saúde. Na vida de Jesus também se passarão 30 anos (respectivamente éons) de Nazaré antes que desçam sobre a humanidade, como sizígia de éons, o Cristo e o Espírito Santo para comunicar-lhe a gnose e habilitar-lhe salvificamente.
Nenhum dos dois — Cristo e Espírito Santo — constitui, como os 30, a pessoa do Filho. São, melhor dizendo, a expressão da essência (Espírito paterno) de Deus, derramada, como unção (chrisma), no Filho para batizar-lhe em sua pessoa e capacitá-lo, em acordo ao Espírito (paterno), extra-muros de Deus.
O estudo da pessoa do Filho, caberia melhor junto às 30 denominações dos éons, pois estes são “pessoas”, enquanto Cristo e Espírito Santo são comuns ao Pai, e denunciam uma forte dependência Dele. Pode-se falar de cristologia enquanto termo aplicável ao mundo da preexistência divina do Salvador e sua existência futura no cosmos.
As denominações de Noûs, Logos, Anthropos … evocam ideias mais concretas e delimitam, sem querer o campo a determinadas esferas. O Nous é carregado de filosofia, sublinhando a mediação suprema do Filho como princípio do reino superior (noético) e enlace imediato com Deus Pai. Logos acentua a missão criadora daquele pelo qual DEUS fez as coisas e fundou o reino dos “racionais”. Anthropos desperta o pensamento da forma ou paradigma do homem. Unigênito (Primogênito) e Filho dirigem a mente para a Trindade. Por outro lado, Cristo, apesar dos equívocos entre sectários, reúne boa parte da economia do Filho, exaltando o destino salvífico.
As acepções fundamentais do Cristo são duas: 1) Cristo (superior), Salvador, caracterizado pela “unção” (= Espírito virginal do Pai) sobreposta a sua pessoa (= Logos); 2) Cristo (psíquico), Messias hebraico, filho do criador, definível por uma unção sui generis (= espírito animal de Jeová, seu pai), aditada, assim mesmo, a sua pessoa.
O estudo de Sophia, em suas variadas acepções, pode esclarecer em tese alguns pontos da preexistência de Cristo. Na prática há o perigo de complicar o tema. Sophia exige uma análise prévia, só bem sucedida se feita para o termo e suas figuras equivalentes.