Paul Nothomb – Túnicas de Cego [PNTA]
O famoso “Crescei e Multiplicai-vos” de nossas bíblias, aparente apelo natalista, é uma tradução das mais contestáveis de uma expressão da totalidade (construída sobre a união dos contrários) tipicamente hebraica, como “bom e mau”, “céus e terra”, “noite e manhã” que se encontram também na Bíblia das Origens.
E em lugar de “Crescei e Multiplicai-vos” — que seria a princípio uma curiosa redundância em um texto onde cada palavra conta — este início de apelo a exercer sua liberdade dirigido por Deus unicamente àqueles que ele acaba de Criar deve se ler literalmente: “Dividi e multiplicai” !
Com efeito o texto hebreu porta PRW WRBW (pronunciado “pourou ourevou”. O primeiro destes dois verbos, PRH PRR ou PWR, ao qual corresponde o imperativo PRW, se liga de toda maneira à família numerosa dos verbos começando pelas consoantes PR. O que caracteriza os verbos começando por PR, é que com nuances, exprimem todos uma forma de separação. mesmo aqueles que acabaram por significar “frutificar” passando por “fruto” PRY que é uma separação.
“Dividi e multiplicai” são duas operações contrárias e complementares que, uidas, levam ao ponto de partida, se anulam sem se destruir, e podem se repetir indefinidamente. A palavra de ordem de efetuá-los constitui uma espécie de código autoregulador do movimento perpétuo, da pulsão mesma da vida. Aos peixes e aos pássaros, considerados enquanto espécies, e incapazes de compreendê-lo, só é endereçado simbolicamente. Mesmo a seu respeito, é ao Homem somente que ele se dirige em realidade.
“Se depois de os haver Criados, Deus os “abençoa” uns e outros, quando fala aos primeiros é pelo discurso indireto. “E Deus os abençoou dizendo (L’MR): dividi e multiplicai” (1,22). Enquanto ao casal humano, é o discurso direto. “E Deus os abencóou, e Deus lhes disse (WY’MR): dividi e multiplicai”(1,28).
Para a tradição “Dividi e multiplicai” tornado “Crescei e multiplicai” é um convite aos interessados a se reproduzir. Mas aos peixes e aos pássaros, Criados segundo suas espécies, ela é inútil: eles “fervilham” já por natureza, como precisa o texto.
“E Deus Criou … todos os animais que fervilham nas águas” (1,21) precede este convite (1,22).
Quanto ao Homem, embora sexuado e relacional, posto que “macho e fêmea”, ele é Criado fora das espécies e de sua “leis”. Sua sexualidade exteriormente (quantitativamente) semelhante àquela dos animais, não o é em absoluto qualitativamente. Ela não esta submetida a nenhum ciclo, e sua meta não é a reprodução mas o êxtase e a comunhão. Imortal por natureza, ele não está destinado a engendrar outros seres destinados a morrer e Deus não o convida certamente a “preencher a terra” de cemitérios!