Climacus Gouillard

::-=Seleção de Jean Gouillard=-::
Oração de Jesus e pensamento da morte
Quando nos estendemos sobre nosso leito, é que o momento é chegado de velar ( de ser sóbrio —1 ). Porque o espírito combate, então, sozinho contra os demônios2) e sem o corpo3). Se estiver disposto à sensualidade, terá logo razão de trair. Que sempre o pensamento da morte se deite convosco e convosco desperte. E assim também a oração4) monológica de Jesus. Não poderíeis encontrar, em vosso sono, auxiliares comparáveis a esses. ( Degrau 15. P.G. t. 88, c. 889cd ).

Orai freqüentemente nos túmulos e pintai a imagem, indelével, em vosso coração5). ( Degrau 18. P.G. t. 88, c. 933d ).

Todo covarde é vaidoso6), o que não quer dizer que todo intrépido seja um humilde7); pois, os malfeitores, os profanadores de sepulturas, comumente não são medrosos. Alguns lugares vos provocam medo: não hesiteis em ir até eles em plena noite. Por pouco que te componhas com este sentimento, ele envelhecerá convosco. Aí indo, armai-vos de oração8); aí penetrando, estendei os braços e flagelai os inimigos com o Nome de Jesus, Não existe, no céu e na terra, arma que seja mais eficaz. ( Degrau 21 ).

A oração do hesicasta9)
O verdadeiro monge: um olhar imóvel da alma e um sentido corporal inabalável… O monge: uma luz que não se apaga ao olho do coração. ( Degrau 23. P.G. t. 88, c. 945c ).

A solidão do corpo é a ciência e a paz da conduta e dos sentidos; a solidão da alma, a ciência dos pensamentos e um espírito inviolável. O amigo da solidão é um espírito valente e inflexível de prontidão, sem sono, à porta do coração, para dissuadir e eliminar os que se aproximam. Quem pratica essa solidão no fundo de seu coração ( lit.: com o sentido do coração ) compreende o que estou dizendo; aquele que está ainda na primeira infância quanto à solidão, não a experimentou e não entende. O hesicasta que sabe, não necessita mais de palavras: é iluminado pela ciência das obras…

O hesicasta é aquele que aspira a circunscrever o incorporal numa morada de carne. O gato espia o ratinho; o espírito do hesicasta espreita o ratinho invisível. Não façais pouco caso da minha comparação; assim mostraríeis que não conheceis ainda a solidão. O caso do cenobita não é o do monge ( solitário ). O monge tem necessidade de grande vigilância e de um espírito isento de agitação. O cenobita tem freqüentemente o apoio de um irmão; o monge, o de um anjo10). As potências espirituais comprazem-se em permanecer com os verdadeiros solitários e em associar-se ao culto que prestam a Deus…

O hesicasta é o que diz: “Meu coração está fortalecido” ( Sl 57,8 ). O hesicasta é quem diz: “Durmo, mas meu coração vela” ( Ct 5,2 ). Fechai a porta de vossa cela a vosso corpo, a porta de vossos lábios às palavras, a porta interior aos espíritos.

Aqueles cujo espírito aprendeu a orar na verdade falam ao Senhor face a face, como aqueles que falam ao ouvido do imperador; aqueles cuja boca ora, fazem lembrar os que se prostram diante do imperador, na presença de toda a corte. Os que vivem no mundo são os que dirigem sua súplica ao imperador, na balbúrdia de todo o povo. Se vós tiverdes devidamente aprendido a arte da oração, não haverá nisso nada de novo para vós.

Sentado num lugar elevado, observai ( se fordes capazes ) e vereis então os gatunos que avançam para pilhar as vossas uvas: sua tática, seu tempo, origem, número e natureza. A sentinela, cansada, vai levantar-se para orar; depois tornará a sentar-se para retomar, com bravura, a primeira ocupação…

A obra da solidão ( hesychia ) é uma despreocupação total por todas as coisas, razoáveis ou não. Pois, o que se abre às primeiras, encontrará certamente as segundas. Sua segunda obra é a oração assídua, a terceira, a atividade inviolável do coração. Impossível, sem conhecer suas letras, ler livros: impossível, sem ter antes uma bagagem das duas primeiras obras, chegar convenientemente à terceira…

Basta um fio de cabelo para embaralhar a vista; basta uma simples preocupação para dissipar a solidão ( hesychia ), pois a solidão é despojamento dos pensamentos e renúncia às preocupações razoáveis. Quem possui verdadeiramente a paz, não se preocupa mais com o próprio corpo… Quem quer apresentar a Deus um espírito purificado, e se deixa perturbar pelas preocupações, assemelha-se a alguém que tivesse entravado fortemente as pernas e pretendesse correr…

Mais vale um pobre obediente que um hesicasta distraído. Aquele que acredita entregar-se à solidão e não considera, em todos os momentos, as suas vantagens, ou não é um verdadeiro hesicasta ou se deixará surpreender pela presunção. A solidão é um culto e um serviço ininterrupto para Deus. Que a lembrança de Jesus se confunda com a vossa respiração: então compreendereis a utilidade da solidão.

A obediência se perde pela vontade própria; o solitário, pelo espaçamento da oração… À noite, dai a maior parte de vosso tempo à oração e a menor à salmodia. Quando amanhece, preparai-vos para voltar corajosamente a vosso ofício…

É grande a utilidade da leitura para esclarecer e recolher o espírito… Seis operários; dedicai-vos a leituras ativas. Essa ocupação torna inútil qualquer outra leitura. Procurai vossas luzes sobre a ciência da santidade, mais nos trabalhos do que nos livros… ( Degrau 27. P.G. t. 88, cc. 1096s ).

Quem se sente diante de Deus, do fundo do coração, será como uma coluna imóvel durante a oração… O verdadeiro obediente muitas vezes se torna, de súbito, durante a oração, inteiramente luminoso e arrebatado pela alegria. Pois, o combatente já estava preparado e inflamado através de um serviço irrepreensível. Qualquer um pode orar com a multidão, mas para a maioria é melhor fazê-lo com um companheiro do mesmo espírito. Porque a oração absolutamente solitária é um raríssimo privilégio. Impossível, quando se salmodia com a multidão, orar imaterialmente… ( Degrau 19. P.G. t. 88, c. 938 cd ).

O monge que vela ( trata-se da vigília noturna ) é um pescador de pensamentos11); sabe distingui-los sem dificuldade, na calma da noite, e apanhá-los… Sono demais leva ao esquecimento; a vigília purifica à memória. A riqueza dos agricultores é ajuntada na eira e no lagar; a riqueza e a ciência12) dos monges, nas estações e nas ocupações vespertinas e noturnas do espírito…

Na vigília da noite, alguns estendem as mãos para a oração13), imateriais e despojados de toda preocupação; outros dedicam-se à salmodia, alguns aplicam-se à leitura, outros, em sua fraqueza, lutam bravamente contra o sono, trabalhando com as mãos; alguns entregam-se ao pensamento da morte, com o fim de retirar dele a compunção. Destes, os primeiros e os últimos perseveram numa vigília agradável a Deus; os segundos, numa vigília monástica; os terceiros seguem o caminho inferior. Mas Deus acolhe e julga a oferta conforme a intenção e os meios. ( P.G. 88, t. 88, cc. 940, 941 ).

Que vossa oração ignore toda multiplicidade: uma única palavra bastou ao Publicano e ao Filho pródigo para obter o perdão de Deus…

Nada de rebuscamento nas palavras de vossa oração: quantas vezes os balbucios simples e monótonos das crianças fazem o pai ceder! Não vos entregueis a longos discursos, para que vosso espírito não se dissipe na procura das palavras. Uma única palavra do Publicano comoveu a misericórdia de Deus; uma única palavra cheia de salvou o Ladrão. A prolixidade na oração freqüentemente enche o espírito de imagens e o dissipa, enquanto muitas vezes o efeito de uma única palavra ( monologia ) é recolhê-lo. Senti-vos consolados e enternecidos por uma palavra da oração? Parai nessa palavra; isso quer dizer que o nosso anjo da guarda então ora conosco.
Nada de segurança demais, mesmo tendo conseguido a pureza; mas, sim, uma grande humildade, e sentireis então maior confiança. Se tiverdes galgado a escada das virtudes, orai para pedir perdão de vossos pecados, dóceis ao grito de são Paulo: “Sou um deles ( pecadores ), sou o primeiro” ( l TM 1,15 ). O óleo e o sal dão sabor aos alimentos; a castidade e as lágrimas,14 à oração. Quando vos tiverdes revestido da doçura e da ausência de ira, não vos será mais muito custoso libertar vosso espírito do cativeiro.

Enquanto não tivermos conseguido a oração verdadeira, pareceremos alguém que ensina as crianças a darem os primeiros passos. Trabalhai para elevar o vosso pensamento, ou melhor, para recolhê-lo nas palavras de vossa oração; se a fraqueza da infância o faz cair, levantai-o. Porque o espírito é instável por natureza, mas Aquele que pode consolidar tudo, pode fixar também o espírito. Se não cessais de combater, Aquele que estabelece limites para o mar do espírito, irá penetrar-vos e dirá a ele: “Chegarás até aqui, não irás mais longe” ( 38,11 ). É impossível acorrentar o espírito, mas onde se encontra o Criador do espírito, tudo lhe está sujeito. Se alguma vez vistes o Sol, podereis conversar com ele convenientemente; quem não o viu, como poderá, sem mentira, falar com ele?

O primeiro degrau da oração consiste em expulsar, por meio de um pensamento ( ou uma palavra ) simples e fixo ( monologicamente ), as sugestões, no momento mesmo em que se manifestam. O segundo, em conservar nosso pensamento unicamente no que dizemos e pensamos. O terceiro é o rapto da alma no Senhor. Uma é a exultação que encontram na oração os que vivem em comunidade; outra, a que experimentam os solitários. A primeira pode ter ainda ligeiras manchas de imaginação; a segunda é toda cheia de humildade…

O grande herói da sublime e perfeita oração diz: “prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência…” ( 1 Cor 14,19 ). As crianças pequenas não têm idéia disso: imperfeitos como somos, com a qualidade também nos é necessária a quantidade. A segunda consegue para nós a primeira…

Se não estivermos sozinhos na hera da oração, imponhamo-nos interiormente a atitude de súplica; se não houver testemunhas que possam louvar-nos, imponhamo-nos, além disso, a atitude exterior de reverência, pois, nos imperfeitos, muitas vezes o espírito se amolda ao corpo.

Ressuscitados do amor pelo mundo e pelos prazeres, afastai as preocupações, despejai-vos dos pensamentos15), renunciai ao corpo16), uma vez que a oração17) nada mais é que um exílio do mundo visível e invisível…

Há uma diferença entre examinar assiduamente o coração18) e visitá-lo pelo espírito, Rei e Pontífice, que oferece a Cristo vítimas espirituais. Sobre uns — diz-nos um autor que mereceu o título de teólogo — o Fogo santo e supraceleste desce para consumi-los, por causa do que ainda falta para sua purificação; ilumina os segundos na medida de sua perfeição. Porque o mesmo Fogo que consome é também a Luz que ilumina. Daí resulta que alguns saem da oração como sairiam de uma fornalha, sentindo como que o alijamento de uma impureza e de uma matéria, enquanto outros saem dela iluminados e revestidos do duplo manto da humildade e da exultação. Os que saem da oração sem nenhum desses dois efeitos, fizeram uma oração corporal, para não dizer judaica, não uma oração espiritual. Se o corpo que toca outro sofre um efeito de alteração, como não sofreria alteração o que toca o Corpo do Senhor com mãos inocentes?…

Não se aprende a ver; é um efeito da natureza. A beleza da oração também não se aprende através do ensinamento. Ela tem em si própria o seu mestre; Deus “que ensina ao homem o saber” ( Sl 94,10 ) dá a oração ao que ora e abençoa os anos dos justos. ( Degrau 28. P.G. t. 88, cc. 1130s ).


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