Clemente de Alexandria (Stromata) – O amor no gnóstico

6,9,73,3. Mas esses homens parecem não conhecer o caráter divino do amor. Pois o amor não é mais uma tendência daquele que ama; é uma terna intimidade, que estabelece o gnóstico na unidade da fé, sem que ele precise de tempo ou espaço.

4. Já estabelecido pelo amor nos bens que possuirá, tendo antecipado a esperança pela gnose, ele não tende para nada, tendo tudo para o qual poderia tender.

5. Ele parece, portanto, permanecer na única atitude imutável, amando de maneira gnóstica, e não precisa desejar ser feito como a beleza, pois já possui a beleza pelo amor.

6. Que outra necessidade há de coragem e desejo para esse homem que conquistou a intimidade amorosa com o Deus sem paixão e que se inscreveu entre seus amigos por meio do amor?

74, 1. Em nossa opinião, toda paixão da alma deve ser excluída do gnóstico perfeito. Pois a Gnose traz o exercício, e o exercício dá uma disposição estável; e essa disposição leva à supressão das paixões (“apatheia”), não ao domínio das paixões; pois a supressão completa do desejo produz “apatheia”.

2. Mas o gnóstico tampouco participa desses bens tão alardeados, os bens passionais que provêm das paixões: quero dizer, por exemplo, a alegria que segue o prazer, o desânimo que se une à tristeza, a circunspecção que está sujeita ao medo, nem mesmo o orgulho, pois este acompanha a ira.

75, 1. Alguns pensam que esses não são mais males, mas já são bens. Mas é impossível para alguém que já foi aperfeiçoado pelo amor e que provou por toda a eternidade e sem saciedade a alegria sem fim da contemplação, ainda ter prazer nesses bens pequenos e mesquinhos.

2. Que causa confessável resta para voltar a correr para esses bens mundanos para aquele que captou a luz inacessível [cf. 1 Tm 6,16], ainda que não no tempo ou no espaço, mas por meio desse amor gnóstico, pelo qual também vêm a herança e a restauração completa, prêmio que o gnóstico já recebeu antecipadamente, por tê-lo escolhido e por ter se apressado a alcançá-lo pelo amor?

3. Ou, ao ir ao Senhor por amor a ele, mesmo que sua tenda seja visível na terra, ele não deixa a vida (porque não confia mais nela)? Ele não libertou sua alma das paixões (porque elas acompanham a vida)? Ele não vive matando o desejo, não obedecendo mais ao corpo? Não lhe abandona apenas o cuidado do indispensável, para não oferecer um pretexto para a dissolução?