Stromata, 5, 81,2-82,4
“O apóstolo João diz, referindo-se ao seio invisível e inexprimível de Deus: “Ninguém jamais viu Deus, mas o Deus unigênito, que está no seio do Pai, ele o explicou” (Jo 1, 18ss).
É por isso que alguns o chamaram de abismo, pois, embora abrace e contenha em seu seio todas as coisas, ele é insondável e infinito. O fato de Deus ser extremamente difícil de entender é demonstrado no seguinte discurso: Se a primeira causa de qualquer coisa é difícil de descobrir, a causa absoluta, suprema e mais original, sendo a causa da geração e da existência contínua de todas as outras coisas, será muito difícil de descrever. Pois como pode ser expressável aquilo que não é nem gênero, nem diferença, nem espécie, nem indivíduo, nem número, nem acidente, nem sujeito de acidentes? Ele não pode ser chamado apropriadamente de “o Todo”, porque o todo se aplica ao extenso, e ele é antes o Pai do todo. Tampouco se pode dizer que tenha partes, porque o Uno é indivisível e, portanto, também infinito, não no sentido de que não possa ser investigado pelo pensamento, mas no sentido de que não tem extensão ou limites. Como consequência, não tem forma ou nome. E, embora às vezes lhe demos nomes, eles não se aplicam no sentido estrito: quando o chamamos de Uno, Bom, Inteligência, Ser, Pai, Deus, Criador, Senhor, não lhe damos um nome propriamente dito, mas, não podendo fazer outra coisa, precisamos usar esses nomes honoríficos para que nossa mente possa se fixar em algo que não ande errante em qualquer coisa.
Cada uma dessas denominações não é capaz de designar Deus, embora, em conjunto, mostrem a potência do Todo-Poderoso. As descrições de uma coisa são ditas com referência às suas qualidades ou às suas relações com outras, mas nenhuma delas pode ser aplicada a Deus. Deus não pode ser apreendido pela ciência demonstrativa, porque ela se baseia em verdades anteriores e já conhecidas, mas nada é anterior àquilo que não foi gerado. Resta apenas que o Desconhecido se torne conhecido pela graça divina e pela Palavra que procede dele. Lucas, nos Atos dos Apóstolos, lembra que Paulo falou assim: “Atenienses, vejo que vocês são os que mais respeitam a divindade. Pois, ao passar por aqui e olhar para seus monumentos sagrados, encontrei também um altar no qual estava gravada esta inscrição: “Ao Deus desconhecido”. Pois bem, o que vós adorais sem o saber, isso vos vim anunciar” (Atos 17, 22-23).