Cipriano de Cartago — A Oração do Senhor
Tradução do Abade Timóteo Amoroso Anastácio
Atitude na oração
4 Seja, pois, disciplinada e tranquila a palavra e a prece dos que oram. Consideremos que estamos diante de Deus. Devem ser agradáveis em face de Deus tanto a atitude do corpo como a maneira de falar. Pois assim como é próprio do insolente rezar com clamores, convém ao modesto orar com preces discretas. Finalmente, mandou-nos o Senhor, nos seus ensinamentos, que orássemos em segredo, em lugares afastados e escondidos, mesmo nos quartos; assim é mais conveniente para a nossa fé, pois lembra-nos que Deus está presente em toda a parte, que Ele vê e ouve a todos e que penetra mesmo o distante e o oculto, com a plenitude de sua majestade conforme está escrito: “Acaso sou um Deus que está próximo e não um Deus afastado? Se por acaso o homem estiver oculto em esconderijos, eu não o verei? Não é verdade que eu encho o céu e a terra?”(Jr 23, 23-24).
E de novo: “Em toda a parte os olhos de Deus observam os bons e os maus” (Pr 15,3). E quando nos reunimos em comunhão com os irmãos e celebramos com o sacerdote de Deus o sacrifício divino, devemos nos lembrar da dignidade e disciplina; não proferir desordenadamente as nossas preces com vozes confusas, nem lançar tumultuosamente e com loquacidade o pedido que deve ser entregue a Deus modestamente, pois, Deus ouve o coração e não a voz. E o Senhor nos mostra que não se deve importunar com clamores Aquele que vê os pensamentos, conforme prova o Senhor quando diz: “Por que pensais o mal nos vossos corações?” (Mt 9,4); e noutro lugar: “Em todas as Igrejas saberão que eu penetro os rins e o coração” (Ap 2,23).
5 Ana, figura da Igreja, no primeiro livro de Samuel, guarda e cumpre estas palavras. Ela não pedia clamorosamente, mas calada e modesta, no segredo do seu coração. Falava com prece oculta, mas com fé manifesta. Falava não com a voz, mas com o coração, pois sabia bem que desse modo seria ouvida por Deus. E obteve, com efeito, o que pedira, porque o fizera com fé. Declara-o a Escritura divina, dizendo: “Falava no seu coração, seus lábios moviam-se, mas não se ouvia voz, ouviu-a, contudo, o Senhor” (1 Sm 1,13). Igualmente lemos nos salmos: “Falai em vosso coração e estejais compungidos nos vossos aposentos” (SI 4,5). Também por Jeremias o Espírito Santo sugere e ensina a mesma coisa: “Tu, Deus, deves ser adorado interiormente”(Br 6,5).1
6 Quem adora, porém, irmãos caríssimos, não deve ignorar a forma como oravam no templo, o fariseu e o publicano. Não foi com os olhos arrogantemente levantados para o céu, nem com as mãos insolentemente erguidas, mas batendo no peito e confessando os pecados ocultos, que o publicano implorava a misericórdia divina. E enquanto o fariseu, ao seu lado, se comprazia consigo mesmo, assim orou o publicano; sem colocar a esperança de salvação na presunção de sua inocência, pois inocente ninguém é, mas, tendo confessado os pecados, rogou humildemente e mereceu dessa maneira ser mais santificado. Ouviu a sua oração Aquele que perdoa aos humildes. Este fato coloca o Senhor no seu Evangelho quando diz: “Dois homens subiram ao templo para orar, um fariseu, outro publicano. O fariseu, em pé, orava consigo mesmo: Eu te dou graças, meu Deus, porque não sou como o resto dos homens, — injustos, ladrões, adúlteros — tal como este publicano. Eu jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo que possuo. O publicano, porém, em pé, ao longe, não ousava erguer os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim pecador. Digo-vos que este voltou para casa mais justificado que aquele fariseu, porque todo o que se exalta será humilhado e todo o que se humilha será exaltado” (Lc 18,10-14).
Nos códices gregos donde provem a versão latina usada por Cipriano o capítulo Vide Baruc échamado “Epístola de Jeremias”. ↩