Jean Daniélou — PLATONISMO E TEOLOGIA MÍSTICA
Cinco Vias
Gregório segue as vias distinguidas por Orígenes, segundo as idades da vida espiritual, no Comentário aos Cânticos: os Provérbios a infância, o Eclesiastes a juventude e o Cântico a maturidade. A primeira via valorizando os bens espirituais de modo a excitar o desejo, a segunda a fazer compreender a vaidade do mundo, e “quando o coração está purificado de todo apego ao sensível, o Cântico introduz a alma nos santuários divinos (mystagogei entos ton theion adyton) onde tem lugar a união (anakrasis) da alma humana com a divindade” (XLIV, 772A ).
Comentário sobre os Salmos apresenta uma divisão em cinco vias, segundo a cinco partes do saltério: duas primeiras partes compreendem a apostasis ton enantion e o desejo das coisas divinas, que são divisões da primeira via; a terceira parte é o conhecimento da natureza dos seres com alusão ao observatório, tema característico da segunda via; a quarta parte se associa também à segunda via, pelo tema da depreciação do sensível segundo a imagem da asa, figura da ascensão da alma (psychanodia); a quinta parte é apresentada como eukaristia, ação de graças, mas trata-se do tema da união com Deus, característica da terceira via. podemos assim reduzir este esquema em cinco para o anterior em três.
Vale notar a ênfase na primeira via na manifestação dos bens divinos ao invés da purificação (katharsis). A primeira via é katharsis mas também photismos, iluminação; dois aspectos do batismo que nos levam a associações entre sacramentos e graus da vida espiritual. A segunda via é a depreciação dos valores mundanos, como em Orígenes, enquanto a terceira é efetivamente cercada do vocabulário mistérico (mystagogein, adyta) e de termos referentes à união (anakrasis) e não pela theoria.
Esta divisão é retomada na XI Homília sobre o Cântico: “A manifestação de Deus se fez a princípio em Moisés na luz (dia photos — vide phos); em seguida falou com ele pela Nuvem (dia nepheles); em fim, tornado perfeito, Moisés contempla Deus nas trevas (en gnoson)” (XLIV, 1000 C). Encontram-se aqui resumidas as etapas da Vida de Moisés, que apresenta no tratado com este título.
Eis como Gregório comenta este texto: “A passagem das trevas (skotos) para a luz é a primeira separação (anachoresis) das ideias falsas e erradas sobre Deus. A inteligência (nous) mais atenta (prosekestera) das coisas ocultas, conduzindo a alma pelas coisas visíveis à realidade invisível é como uma nuvem (nephele) que obscurece todo o sensível e acostuma a alma à contemplação daquilo que é oculto. Em fim a alma que caminhou por estas vias em direção às coisas do alto, tendo deixado as coisas terrestres, tanto quanto possível à natureza humana, penetra nos santuários da teognose (entos ton adyton tes theognosias), cercada de todas as partes pelas trevas (gnophos) divinas” (XLIV, 1000 C-D ). Este texto esclarece porque a vida espiritual vai da luz às trevas, sendo luz por oposição às trevas (skotos) do pecado e do erro. Mas esta luz nada mais é que trevas (gnophos) em comparação com a realidade divina supraluminosa.
Para Gregório a primeira via trata de duas démarches paralelas: a perfeição que consiste na união de eusebeia, que é a retidão da fé, e da apatheia que é a pureza da vida (XLIV, 1041 A).
A segunda via é a subida na escala dos seres (dia phainomenon), que se dá pelo desengajamento do sensível e pelo acostumar-se com as realidades invisíveis. Gregório expressa isto pela metáfora do “obscurecimento”. A “nuvem” (nephele) significa esta semi-obscuridade. Ela convém bem como símbolo desta via (no Pesudo Dionísio, a nephele corresponde à “teologia simbólica”, quer dizer ao conhecimento de Deus, dia phainomenon: é nossa segunda via). Não esquecer que por outro lado este é o símbolo do Espírito Santo, associando esta via não mais ao Batismo, nem a Eucaristia, como a terceira via, mas à Confirmação. Vê-se aqui o paralelismo das vias com os sacramentos essenciais, que será a estrutura do Tratado da Vida em Jesus de Nicolas Cabasilas, dez séculos depois.
Encontramos por fim para a terceira via, o vocabulário mistérico que já encontramos acima (adyta), cujos caracteres são bem marcados: fora de todo mundo sensível (exo ton phainomenon), pois tem por objeto o invisível (to aoraton). É esta transcendência que expressa a metáfora das trevas (gnophos). A terceira via também é designada como theoria e não uma anakrasis. A primeira via é “separação do erro”; a terceira via “contemplação do invisível”.