Cassiano Conferencias II-4

CASSIANO — CONFERÊNCIAS

SEGUNDA CONFERÊNCIA DO ABADE MOISÉS — DA DISCRIÇÃO

IV. Referências ao bem da discrição nas Sagradas Escrituras.

É esta a discrição que, depois de chamada lâmpada do nosso corpo, recebe do Apóstolo o título de sol, segundo aquela palavra: “O sol não se ponha sobre a vossa cólera” (Ef 4,26).

É também ela que é denominada leme da nossa vida, conforme esta palavra: “Os que não tem leme, caem como folhas” (Prov 11,14). Outro nome que ela muito justamente recebe e o de conselho, pois sem conselho não nos e permitido pela Escritura fazer absolutamente nada, a ponto de nem mesmo o vinho espiritual “que alegra o coração do homem” (SI 103,15) podemos beber sem a sua direção, consoante esta palavra:”Faze tudo com conselho, bebe o vinho com conselho” (Prov 31,3), e ainda: “Como uma cidade’ de muros abatidos e sem defesa, assim é o homem que não age com conselho” (Prov 25,28). Quão prejudicial ao monge é a sua privação, bem o mostra a figura usada por esse testemunho, ao compará-lo a uma cidade destruída e sem muros.

Nela consiste a sabedoria, nela a inteligência e o julgamento, sem os quais e impossível edificar a nossa casa interior e acumular as riquezas espirituais, segundo a Escritura: “Com sabedoria se edifica a casa, e com inteligência ela é levantada; com o julgamento enchem-se os celeiros de todos os bens preciosos e bons ” (Prov 24,3-4).

Ela é também o alimento sólido que só pode ser recebido pelos perfeitos e robustos, na forma da Escritura : “O alimento sólido é para os perfeitos, aqueles que tem os sentidos exercitados pelo habito para a discrição do bem e do mal” (Heb 5,14).

Ela se nos comprova tão útil e necessária, que é até comparada a palavra de Deus e a suas virtudes: “É viva a palavra de Deus e eficiente, mais penetrante do que uma espada de dois gumes, alcançando até a divisão da alma e do espírito, das juntas e medulas, e capaz de discernir os pensamentos e as intenções do coração” (Heb 4, 12).

Tudo isso mostra claramente que nenhuma virtude, sem a graça da discrição, pode ser perfeitamente consumada ou subsistir.

Assim foi definido pela sentença tanto do bem-aventurado Antão, como de todos, que é a discrição que conduz o monge, de passo firme e sem medo, até a Deus. E que graças a ela que se conservam ilesas as virtudes antes citadas, e se podem galgar com menor dificuldade os mais altos cumes da perfeição, e que sem ela muitos, apesar de trabalharem com empenho maior, não puderam chegar até lá. Porque a mãe, a guardiã e a moderadora de todas as virtudes é a discrição.