CASSIANO — CONFERÊNCIAS
PRIMEIRA CONFERÊNCIA DO ABADE NÉSTEROS — A CIÊNCIA ESPIRITUAL
XIV. A alma impura não é capaz de dar nem de receber a ciência espiritual
Como aliás já dissemos, é de todo impossível que alguém possa conhecer ou ensinar essas coisas, a não ser que as tenha experimentado. Quem não é nem capaz de as perceber, como poderá comunicá-las? E ainda que tenha a presunção de ensinar, o seu discurso há de ser, fora de dúvida, ineficaz e inútil, limitando-se a atingir as orelhas dos ouvintes sem conseguir penetrar no seu coração. Pois não passará de um produto da carência de obras e de uma vaidade infrutífera, não saindo do tesouro de uma boa consciência, mas da vã presunção da jactância.
Impossível, com efeito, a uma alma impura, por mais assídua que seja a leitura, adquirir a ciência espiritual. Ninguém confia a um vaso fétido e estragado um perfume nobre ou um mel excelente ou um licor precioso. Um recipiente infectado por odores repulsivos mais facilmente contamina o perfume melhor, do que dele recebe alguma suavidade ou atrativo. Porque mais depressa se corrompe o que é puro, do que se purifica o que é corrompido.
Assim também é o vaso do nosso coração. Se não for previamente purgado de todo contagio fétido dos vícios, não merecerá receber esse perfume de benção, de que fala o profeta: “Como o óleo que derramado na cabeça, desce para a barba de Aarão, até a orla das suas vestes” (Sl 132,2). Nem guardará impoluta a ciência espiritual ou as palavras da Escritura, “que são mais doces do que o mel e o favo cheio de mel” (Sl l8,ll). Pois, “que comunicação pode haver entre a justiça e a iniquidade? ou que sociedade entre a luz e as trevas? que acordo entre Cristo e Belial”? (1 Cor 6,14-15).