Guénon, como se sabe, reserva o termo de religião à designação exclusiva do judaísmo, do cristianismo e do islã, que são os únicos a apresentar os três elementos (segundo Guénon) constitutivos da religião: o dogma, o culto, a moral. Para designar o gênero cuja religião não seria senão uma espécie, ele utiliza a expressão de forma tradicional. Esta categorização, justificada em certos casos (por exemplo no caso do confucionismo que é bem uma forma tradicional tão pouca religiosa que possível) levanta dificuldades que tornam seu emprego por vezes inadequado: assim, parece singular de não falar de religiões da Índia. Reciprocamente, a se manter às únicas definições guenonianas, pensamos que a denominação de “religião” não se aplicaria estritamente nem ao judaísmo, nem talvez mesmo ao islã, formas que nos parecem ignorar o elemento “dogma” (no sentido preciso do termo): para nosso conhecimento, o cristianismo é a única tradição sagrada, atualmente vivente, que comporta uma dogmática explícita, quer dizer um conjunto de proposições “teológicas” apresentadas como “reveladas”, tão bem que, strictu sensu, o cristianismo seria a única “religião”. É aqui o lugar de fazer observar que, como o sublinhamos para o termo esoterismo, o conceito de religião é historicamente determinada. Parece bem, com efeito, que nunhuma linguagem antiga, e mesmo nem a grega ou nem a latina, não dispuseram de um termo que significava o que significa para nós a palavra “religião”, cujo sentido parece ter sido elaborado somente no curso dos primeiros séculos do cristianismo. Não há em hebreu, nem em sânscrito, nem em grego assim como onota J. Rudhardt, em sua célebre obra “Noções fundamentais do Pensamento religioso e atos constitutivos do culto na Grécia clássica, Picard, 2a ed., 1992, pp. 11-15: “Nossa palavra religião não tem equivalente grego”. Religio é bem uma palavra latina, mas nos romanos, “não indica senão um conjunto de observâncias, de avisos, de regras, de interdições, sem se referir, por exemplo, nem à adoração da divindade, nem às tradições míticas, nem às celebrações das festas”(A. Brelich, Histoire des religions, Encyclopédie de la Pléïade, 1970). Restaria agora se perguntar porque a noção de religião é uma criação conceitual do cristianismo. Sugerimos, em outro estudo, que se poderia aí ver um efeito da radical singularidade da forma cristã, que, se distinguindo visivelmente do “conjunto” de todas as formas sagradas conhecidas, conduz precisamente a reagrupá-las sob um novo conceito geral, do qual o cristianismo não será a realização perfeita senão na medida mesma onde ele o supere.
Quanto à etimologia do termo, aquele que se alega ordinariamente (a religião é o que religa) nada é menos certo de um ponto de vista rigorosamente filológico. As hipótese sobre sua origem são as seguintes: 1) “religio” viria de “relinquere” = “deixar”, donde a ideia de “reserva”, de “respeito” quanto ao sagrado — mas “relinquere” daria “relictio”; 2) Agostinho de Hipona (De Civitate Deus, X,3) propôs de fazer derivar “religio” de “reeligere” = “escolher de novo”, donde a ideia de “retorno a Deus após a Queda — mas “reeligere” daria “religare” — “religar”, hipótese frequentemente retida, que pode se autoriza de Lucrécio aproximando “religio” de “nodus” = “nó”, “ligação estreita” (De natura rerum, I, 932) e a qual parece que Agostinho acabou por se afiliar (De vera religione, LV, 113. e Retractationes I, 13), donde a ideia de “ligar os homens a Deus e entre eles”, ou mesmo de “refazer uma ligação desfeita” — mas “religare” deveria dar “religatio”; Cícero (De natura deorum II, c. 28, n. 72) faz derivar “religion” de “relegere” no sentido de “reler”, de “repassar pelo pensamento” (mas este verbo pode também significar “recolher de novo”, como se vê em Ovídio, Metamorfoses VIII, 173) — esta derivação é a única filologicamente satisfatória e conduz bem ao substantivo “religio”’; ela é adotada por Isidoro de Sevilha (Etym. X, P.L>, LXXXII, col. 392). É preciso portanto rejeitar absolutamente o sentido de uma “ligação” ao mesmo tempo social e transcendente? Entre “relegere” = “recolher” e “religare” = “religar”, a comunidade de sentido é patente. E “ler” não consiste em “ligar” signos entre eles por um sentido? Eis porque pensamos que a ideia dominante que se destaca de todas estas hipótese é aquela do “restabelecimento de uma ligação”; esta ideia nos remete ao conceito hebreu de “Aliança” (berit) e talvez ao árabe “din” que guarda a ideia de obrigação (fr. ob-ligation) da criatura a respeito do Criador. Segue-se que, de certa maneira, a religião é sempre segundam que é sempre uma retomada, um recomeço, um retorno, uma restauração de uma ligação rompida, se pelo menos se se empenha de escutar o que a palavra ela mesma nos diz. Deste ponto de vista a “religio primordialis” seria impropriamente designada.