Convicção do eu [JBAV]

A alma afetiva é o domínio do “eu”; mas já podemos entender que o “eu” é “gerado” pela convicção de ser afetado ou, se preferir, “preocupado”: o que é “eu” é o que é “tocado”. O “eu” surge quando a alma é ferida. De fato, quando algo afeta a alma, a alma descobre a si mesma como o que é visado e, portanto, como diferente do que vem em sua direção e, portanto, como um centro de interioridade em face de um ambiente de exterioridade. Essa é a “convicção do eu”. Uma alma totalmente não afetada não teria convicção do eu e não faria distinção entre o interior e o exterior. Esse é provavelmente o caso da alma de uma árvore. Ao contrário, se, por exemplo, formos ridicularizados, sarcastizados ou repreendidos, ou se algo nos ameaçar, então um ponto em nosso peito de repente se torna sensível, “recebemos um golpe no coração”, o sentimento do ego irrompe dolorosamente em nós, e nossa mão vai para o centro do peito para nos espantar ou acusar1.

Entretanto, o simples fato de a alma ser “afetável” não é suficiente para explicar o surgimento do eu. É necessário o conhecimento dessa “afetividade”. Esse conhecimento é pressuposto em toda a descrição anterior. A afetividade não é apenas sentida, ela também é conhecida e pensada, sem o que não poderíamos sequer falar sobre ela. Uma afetividade puramente sentida seria um simples fato, incapaz de gerar a convicção do ego, e que pareceria tão “objetiva e natural” quanto um processo químico dentro de uma célula. Não apenas precisamos da afetividade como a “matéria” do eu, mas também precisamos que essa afetividade seja esvaziada para lhe dar “forma”. O eu é a afetividade pensada, ou seja, não mais um fato, mas uma estrutura. De fato, pensar a afetividade significa fazer o que fizemos anteriormente, significa formular a estrutura inteligível (ou concebível) que subjaz à experiência afetiva: ao pensar a experiência afetiva, a alma “pensa a si mesma” como um centro interior oposto a um ambiente exterior, e esse é o eu. A ideia de um centro de interioridade não vem da afetividade como tal, mas do pensamento, o único que é verdadeiramente “interior” em relação ao mundo das energias psíquicas, porque só ele é verdadeiramente distinto dele, não sendo uma força, mas uma luz. Portanto, é sua própria “situação” que ele projeta, por assim dizer, na experiência que pensa. E, no entanto, o pensamento puro, reduzido a si mesmo, também não daria origem à convicção do eu. Tal pensamento não é, em si mesmo, “subjetivo”, não se coloca como sujeito, é simplesmente consciência (ou conhecimento) e, como tal, é objetivo, transparente, neutro: o pensamento de um triângulo ou o pensamento de um sentimento não contém, em si mesmo, nenhuma afirmação do eu. A consciência nada mais é, nesse nível, do que a propriedade da psique humana de conhecer a si mesma. Tanto é assim que, paradoxalmente, é o objeto da consciência, a psique afetiva, que, à luz da consciência, aparece como subjetividade. Nossa descrição, portanto, destaca a ambiguidade do eu; a consciência não pode se separar do objeto que conhece, e o eu que emerge da união deles aparece ora como um sujeito pensante (consciência), ora como um sujeito existente (a alma afetiva). A subjetividade é vista tanto como o polo da consciência de nosso ser quanto como o polo do ser de nossa consciência.


  1. Não é sem razão que a alma afetiva foi ligada (em Platão, por exemplo) ao peito, e a alma vegetativa à barriga