Jacques Bonnet — INRI
Traduzido de seu ensaio publicado na revista “Études Traditionnelles”.
Citação do Evangelho de Jesus: Jo 18,33-38
Pilatos coloca quatro questões. Jesus não responde à primeira, ele o faz indiretamente à segunda e claramente à terceira: “Eu sou rei.” No contexto do judaísmo, que se deve entender por aí, da mesma forma que para o “reino” a respeito do qual Jesus acaba de se explicar?
Enquanto os sinóticos usam frequentemente o termo “reino”, este só aparece em João em duas ocasiões: aqui e quando da conversa com Nicodemo onde é dito Jo 3, 1-21.
Reino se diz em grego basileia, em hebreu malkhut ou mamlakha. Nas duas línguas estas palavras designam ao mesmo tempo o reino e a realeza ou o reinado.
A expressão aparece pela primeira vez na Torá quando Deus diz a Moisés: Ex 19,3-6.
Este texto foi tão fundamental para os primeiros cristãos que é retomado na primeira Epístola de Pedro (1Pe 2,9-10) e no Apocalipse (Ap 1,6; Ap 5,10).
O reino é constituído daqueles que se tornaram santos, tendo recebido a santa unção — como o são os sacerdotes (“São esses os nomes dos filhos de Arão, dos sacerdotes que foram ungidos, a quem ele consagrou para administrarem o sacerdócio.” Num 3,3), e que se tornam assim “Filho do óleo”, quer dizer filho de luz e portanto “nascidos do Alto”, como Jesus diz a Nicodemo (vide Filho do homem).
Jesus se dizendo rei, afirma deste modo que recebeu a unção, pois no judaísmo, o rei era ungido (hebraico, mashyah, grego christos) — e quando adiciona que nasceu , é que nasceu do Alto (do Espírito). O rei recebia como insígnias a coroa (heb. Nezer) e o testemunho (heb edut), símbolos de atributos complementares (2Reis 11,12).
Com efeito se, como é de tradição no judaísmo se faz referência à primeira expressão figurando na Torá, o nome de Rei aí aparece a respeito dos vencidos por Abraão no Gênesis 14. Entre estes reis, um se destaca: (Melquisedeque, rei de Shalem. Ele é rei de Justiça (tsedeq) e de Paz (shalom), unindo estes dois atributos divinos como no Salmo 85 onde Justiça e Paz se beijam. É dito além do mais e isso relembra o texto do Êxodo sobre o “Reino de Sacerdotes”.
A benignidade e a fidelidade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram. (Salmo 85,10)
Shalem, comenta o Zohar, significa “completo”, pela união dos complementares e notadamente do mundo do Alto, simbolizado pelo vav do Tetragrama, ao hé de Baixo que faz remontar até o vav. Melquisedeque é assim o Rei do Mundo (melekh há olam) (Zohar 1,87a) (vide REI DO MUNDO).
O mesmo qualificativo de shalem é aplicado a Jacó no Gênesis 33,18 (“Depois chegou Jacó inteiro (shalem) à cidade de Siquém, que está na terra de Canaã, quando veio de Padã-Arã; e armou a sua tenda diante da cidade.”), texto que o Zohar aproxima do Salmo 76,3: “Sua tenda está em Shalem”. Ele se estende longamente sobre a perfeição de Jacó, perfeito (shalem) no Alto e em Baixo, nos céus e sobre a terra, pois ele representa a Fé suprema: hemanuta ‘ilah, este atributo sendo de mesma raiz e de mesmo sentido que o hebraico emet (Zohar 1, 172b)