Boaventura Mente Deus II

BOAVENTURA — ITINERÁRIO DA MENTE A DEUS

A ELEVAÇÃO A DEUS POR MEIO DO UNIVERSO (cont.)

9 Mas, como na escada de Jacó primeiro se sobe e depois se desce (cf. Gn 28,12), coloquemos, pois, na base o primeiro degrau de nossa ascensão a Deus e comecemos por contemplar todo este mundo sensível coco um espelho através do qual podemos chegar até Deus, o artista soberano. Nós seremos assim os verdadeiros israelitas que passam do Egito à terra prometida (cf. Êx 13,3 ss). Quer dizer, os verdadeiros cristãos que passam com Cristo “deste mundo ao Pai celeste” (Jo 13,1) e os verdadeiros amigos da sabedoria que nos convida e nos diz: “Vinde a mim todos os que me desejais e eu vos saciarei dos frutos que levo” (Ecli 24,26). “Porque também da grandeza e da beleza das criaturas se pode conhecer o Criador” (Sab 13,5).

10 O sumo poder do Criador, a sua sabedoria e a sua bondade resplandecem nas realidades criadas, conforme o revelam os sentidos corporais ao sentido interior por três modos. Com efeito, os sentidos externos servem a inteligência, quer ela raciocine, quer ela creia, quer ela contemple. Pela contemplação a inteligência considera a existência atual das coisas, pela fé o seu curso habitual e pelo raciocínio a sua excelência potencial.

11 Quando a inteligência considera as coisas em si mesmas, seu olhar descobre nelas o peso, o número e a medida: o peso que as faz tender a um lugar, o número que as distingue e a medida que as limita. E, assim, percebe nelas o seu modo de ser, a sua beleza e a sua ordem, como também a sua substância, a sua potência e a sua atividade. Eis como, pelo vestígio das coisas criadas, a inteligência pode elevar-se ao conhecimento (gnosis) do poder, da sabedoria e da imensa bondade do Criador.

12 Quando a inteligência considera o mundo com os olhos da Fé, descobre-lhe então a origem, o curso e o termo. Com efeito, a Fé nos revela que o mundo teve uma origem pelo Verbo da vida. Revela-nos também que no curso do mundo três leis se sucederam: a lei natural, a lei escrita e a lei da Graça. Nos diz, enfim, que este mundo terá término com o juízo universal. A inteligência reconhece, destarte, na origem do mundo o poder, no seu curso a providência e no término a justiça do primeiro Princípio.

13 Finalmente, a inteligência, prosseguindo suas indagações com o raciocínio, repara que alguns seres não possuem senão a existência, outros possuem a existência e a vida, e outros têm a existência, a vida e o discernimento. Os primeiros são os seres inferiores, os segundos intermédios e os terceiros os mais perfeitos. Vê também entre estes três que alguns são puramente corporais. Outros, ao invés, são em parte corporais, em parte espirituais (isto é: os homens). E de tudo isto deduz a existência de seres totalmente espirituais, mais perfeitos e mais dignos do que os precedentes (evidentemente, são os anjos).

Vê ainda que certos seres estão sujeitos à mudança e à corrupção, como tudo aquilo que é terrestre. Outros são móveis mais incorruptíveis, como os corpos celestes. Compreende então que existem outros seres que são imutáveis e incorruptíveis, como aqueles que habitam acima do céu visível. É assim que o mundo visível leva o intelecto a considerar o poder, a sabedoria e a bondade de Deus — e fá-lo reconhecer que Deus possui o ser, a vida, a inteligência, uma natureza espiritual, incorruptível e imutável.