BERNARDO DE CLAIRVAUX — SERMÕES
Obras Completas de San Bernardo — Tomo IV — Sermones litúrgicos (2.° ), Biblioteca de Autores Cristianos, serie normal n° 473, edición bilingüe preparada por los monjes cistercienses de España, Madrid, 1985 (2006-corregida), 718 p., el texto latino se ha tomado, con la debida autorización, de la edición crítica de las obras de San Bernardo realizada por dom Jean Leclercq y editada en Editiones Cisterciences (Roma 1957-1977).Mariano Ballano.ISBN 84-7914-844-6. (Sermones en el tiempo de Pascua y Sermones en diversas festividades del Tiempo Ordinario).
Contribuição, tradução e notas de Antonio Carneiro das páginas 58 até 65
Na Ceia do Senhor
Sobre o batismo, o sacramento do altar e a lavagem dos pés.
1. Estes dias nos pedem uma veneração particular. São dias carregados de misericórdia e de graça, e até os corações mais perversos se dirigem para a penitência. É tal a eficácia dos sacramentos que celebramos estes dias, que são capazes de partir os corações de pedra e abrandar os peitos de ferro. Diante da Paixão de Cristo vemos, em nossos próprios dias, que o céu se compadece, a terra treme, as pedras se racham e os sepulcros se abrem para a confissão dos pecados. Mas nos alimentos espirituais sucede o mesmo que nos corporais: alguns podem se assimilar imediatamente e outros há de condimentá-los. O que é evidente não é necessário que o expliquemos; mas o que é mais misterioso precisa de uma atenção mais profunda. É o que faz uma mãe com seu filhinho: não dá nozes inteiras, mas sim as quebra e lhe oferece o fruto limpo. O mesmo devo fazer, irmãos, se puder: mostrar-vos de par em par o mistério destes sacramentos. Mas sinto-me impotente. Acudamos à mãe Sabedoria, e que ela quebre para nós estas nozes, nascida da árvore sacerdotal, este broto vigoroso que o Senhor plantou em Sião. Os sacramentos são tão numerosos, que não temos tempo de atentarmos em todos. Por outro lado, alguns são fracos para compreender tanto de uma vez. Por isso vou dizer-lhes o que o Senhor me inspire sobre tres sacramentos que estão em íntima relação com este tempo.
2. Sacramento significa signo sagrado ou segredo sagrado. A maioria das coisas as fazemos por si mesmas; outras, por sua vez, em relação à uma terceira. À estas chamamos signos, e o são. Tomemos um exemplo da vida comum: pode-se dar um anel, sem problemas, e não há outro sentido senão este. Mas pode-se dar para outorgar uma herança, e neste caso é um verdadeiro signo. Quem o recebe pode dizer: “o anel não vale nada, o que me interessa é a herança.” Isso mesmo fez o Senhor ao aproximar sua Paixão. Quis chegar aos seus a sua graça, e outorgar-lhes a graça invisível por meio de um signo visível. Esta é a finalidade de todos os sacramentos: do banquete eucarístico, da lavagem dos pés, e do próprio batismo que é o primeiro sacramento, e pelo qual nos introduzimos na morte (de Cristo) (Rm 6,5), sua triple imersão está em relação íntima com o tríduotríduo: os últimos tres dias da Semana Santa. que vamos celebrar. Seguindo com (69) o exemplo anterior, os signos exteriores são muito diversos, tem grande variedade de investiduras, segundo o que se recebe; por exemplo, o cônego o recebe pelo livro, o abade pelo báculo, o bispo pelo báculo e pelo anel. O mesmo ocorre com os sacramentos: cada um tem sua graça(1Cor 12,14) especial. Que graça nos outorga o batismo? A expiação dos pecadores (2Pd 1,9). “Quem pode purificar ao que é impuro em seu próprio ser, senão o puro por excelência”1, e quem está isento de pecado, quer dizer, Deus ? Primitivamente o sacramento que concedia esta graça era a circuncisão: uma faca de sílex (Js 5,2) raspava a crosta da culpa original que brota desde os primeiros pais. Mas ao vir o Senhor, cordeiro brando e manso, cujo jugo é suportável e sua carga leve (Mt 11,30), tudo mudou maravilhosamente; A água e a unção do Espírito dissolve aquela crosta inveterada e suprime uma dor tão difícil de suportar.
3. É possível que alguém queira perguntar: Se o batismo perdoa-nos daquilo que contraímos de nossos pais, como subsiste ainda a ambição como estímulo e incentivo ao pecado? É indubitável que esta inclinação ao pecado vem à nós de nossos primeiros pais. Todos fomos engendrados por um desejo pecaminoso. Por isso, e, com pesar nosso, sentimos o apetite desordenado da concupiscência e dos instintos de feras. Disse-vos isso muitas vezes, e não deveis esquecer, que com o primeiro homem caíram todos. Caíram em um montão de pedras, e na lama. Por isso estamos tão manchados e tão gravemente feridos e maculados. É fácil lavar-nos (70); mas recuperar a saúde é uma obra lenta.2 O batismo nos lava, porque cancela a sentença de nossa condenação. E além disso nos concede a graça de estarmos imunes da concupiscência se não consentimos nela. Assim desaparece o pus dessa úlcera tão crônica, porque suprime-se a condenação e a escravidão da morte, que era sua raiz. Mas quem será capaz de dominar uns instintos tão selvagens ? Quem suportará a ardência desta úlcera? Tende confiança: contamos com a ajuda da graça; e como garantia recebei a investidura do sacramento do Corpo e Sangue Santíssimos. O efeito desse sacramento em nós é duplo: aquieta a sensualidade e evita que consintamos pecados graves. O que sente que os ímpetos da ira, inveja, luxúria ou outros vícios não são tão vivos nem frequentes nele, dá graças ao Corpo e Sangue do Senhor, porque essa é a eficácia desse sacramento. E alegrai-vos de que essa úlcera tão horrível está ficando curada.
4. Que faremos ao ver que não podemos nos livrar do pecado, enquanto vivermos neste corpo pecador e nesta vida tão miserável ? Desesperar-nos? Jamais. Escutai a João: “Se afirmamos não termos pecados, nós mesmos nos enganamos e, além disso; não levamos dentro a verdade. Se reconhecemos nossos pecados, Deus, que é fiel, perdoa nossos pecados e, além disso, nos limpa de toda iniquidade.” (1 Jo 1,8)3 (71) . Para que não duvidemos do perdão das faltas do quotidiano; contamos com outro sacramento: a lavagem dos pés.4 Creio que é um sacramento de perdão, por aquilo que o Senhor disse a Pedro: “O que estou fazendo contigo não o entendes agora; o compreenderás mais adiante.” (Jo 13,7). Não digo que era um sacramento, mas sim; Dei-vos um exemplo, para que vós fazei o mesmo (Jo 13,15). Ter-lhes-ia dito muitas outras coisas, mas seriam incapazes de compreendê-las. Por isso preferiu não deixá-los afundados na inquietude ou na angústia, nem dizer-lhes o que superasse suas capacidades. Se, agora queres saber que aquilo o fiz como um sacramento e não só para dar-lhes exemplo, prestai atenção no que disse à Pedro: “Se não te lavar não terás parte comigo.” (Jo 13,8). Aqui se apresenta como algo necessário para a Salvação, uma vez que sem isso Pedro não participaria no Reino de Cristo e Deus. Diante de uma ameaça tão espantosa Pedro se desanima e aceita este Mistério da Salvação: “Senhor não só meus pés também mãos e cabeça.” (Jo 13,9). Porque sabemos que esta lavagem é para os pecados que não produzem a morte e que não podemos evitar totalmente nesta vida ? Pela resposta de Jesus quando lhe ofereceu as mãos e a cabeça para lavar: “Aquele que se banhou não necessita lavar mais que os pés.” (Jo 13,9). Aquele que não tem pecados graves está limpo. Sua cabeça — símbolo de sua intenção — e suas mãos — signo de suas obras e conduta — estão limpas . Mas enquanto caminhamos no meio do pó, nossos pés — os afetos da alma — não podem estar completamente limpos. O espírito costuma ceder mais do conveniente à vanidade, ao prazer ou a curiosidade: “Com efeito todos ofendemos em muito”.5
(72) 5. No entanto não devemos depreciá-los nem tirar-lhes sua importância. Com eles não podemos salvar-nos, e só por Cristo e em Cristo podemos limpar-nos dos mesmos. Ninguém, insisto, se adormeça em uma falsa segurança, nem busque palavras enganosas para se excusar seus pecados. Pedro escutou com toda clareza que se Cristo não nos limpa não estaremos com ele. Por outro lado, tampouco devemos angustiar-nos demasiado por elas: se as reconhecemos, Ele as perdoa fácil e agradavelmente. Nestas faltas, que são quase inevitáveis, é tão culpável a negligência quanto o escrúpulo. Por isso a oração que Ele nos ensinou, quis que pedíssemos diariamente o perdão de tais faltas. Antes disse que Cristo havia suprimido a pena da concupiscência, como disse o apóstolo: “Não pesa condenação alguma sobre os que estão unidos com Cristo Jesus.” (Rm 8,1). Apesar disso, permite que nos humilhe, atuando em nós, e atacando-nos gravemente para que deste modo sintamos o efeito da graça e nos apoiemos sem cessar em sua força. O mesmo ocorre com estes pecados leves: a economia divina consente que sempre tenhamos algum, para fazer-nos ver com isso que, se não podemos evitar os menores, muito menos superaremos os maiores com nossas próprias forças. E assim vivamos sempre temerosos e solícitos de não perder sua graça, que sentimos nos ser tão indispensável.
Notas
São Bernardo deve ter citado por memória pois escreveu em latim no texto:
“Quis enim potest facere mundum de inmundo conceptum semine, nisi qui solus est mundus”,
Conforme Vulgata Iob 14,4 (Jó,14,4):
“Quis potest facere mundum de inmundo conceptum semine nonne tu qui solus es”. ↩Ver 2Pd 2, 20-22, na Vulgata termina: “sus lota in volutabro luti” cuja tradução linear seria : “lavada a porca, no lamaçal vai se enlamear.” ↩
São Bernardo deve ter citado por memória pois escreveu em latim no texto:
“Si dixerimus quia peccatum non habemus, nos ipsos seducimus et veritas in nobis non est. Si autem confiteamur peccata nostra, fidelis est Deus, qui dimittat nobis peccata et emundet nos ab omni iniquitate.”
Conforme Vulgata 1,Io 1,8-9 (1Jo,1,8-9):
“Si dixerimus quoniam peccatum non habemus ipsi nos seducimus et veritas in nobis non est. Si confiteamur peccata nostra fidelis est et justus ut remittat nobis peccata et emundet nos ab omni iniquitate.” ↩Ver Jo13, 5. O fato de lavar os pés de alguém era considerado uma ação humilhante, que não se podia impor nem mesmo a um escravo judeu; mas ela podia
se tornar a expressão da piedade mais eminente com relação a um pai ou a um senhor. O gesto de Jesus podia comparar-se às ações simbólicas dos profetas. Ilustra o Amor de Jesus e anuncia a sua morte. ↩Passagem de Tg 3,2, preferi usar ofender ainda que a tradução me permitisse usar ferir (física e moralmente) para não só evitar de correr risco do significado ser desvirtuado, mas principalmente para ficar mais de acordo com a sequência do texto Tg 3, 5-10. Para os leitores que considerarem insatisfatória esta solução abaixo estão o original em latim seguido d’ outras traduções bíblicas para que possa escolher a que melhor lhe aprouver.
Vulgata : in multis enim offendimus omnes
Jerusalém : porque todos tropeçamos frequentemente.
TEB : pelo muito que todos tropeçamos
Loyola : Porquanto nós todos cometemos muitas faltas. ↩