Benjamim Introdução

DEMANDA DA SABEDORIA — INTRODUÇÃO

Um grande erudito de nome Ricardo de São-Victor atesta e ensina, em um livro sobre a demanda da sabedoria, que a alma humana é constituída de dois poderes, dom do Pai celeste de quem procede todo benfazer. Um é a razão e outro a afetividade, ou a vontade. Pela razão, conhecemos; e, pela afetividade, sentimos emoções e amamos. Da razão parte o juízo reto, assim como as diferentes faculdades intelectuais, enquanto da vontade emanam desejos espirituais e emoções bem ordenadas. E assim como Raquel e Lia foram ambas esposas de Jacó, assim também a alma humana é esposa de Deus através da luz do conhecimento racional e da deleitação amorosa da afetividade. A Jacó corresponde Deus, a Raquel a razão e a Lia a afetividade.

Estas duas esposas, Raquel e Lia, tomaram cada uma servente. Raquel tomou Bilha e Lia tomou Zilpa. Bilha era uma grande faladora enquanto Zilpa estava sempre embriagada e tinha sempre sede. A Bilha corresponde a imaginação que é serva da razão, assim como Bilha era serva de Raquel. A Zilpa correspondem os afetos que estão a serviço da afetividade, assim como Zilpa estava à serviço de Lia. Além do mais, estas servas eram tão necessárias a suas mestres que, sem elas, em vão teriam possuído o mundo inteiro. Com efeito, sem a imaginação, a razão não poderia conhecer as realidades materiais do mundo, nem a afetividade as sentir sem o afeto.

No entanto, a imaginação apela com tanta ignorância nas orelhas de nosso coração, que, o que quer que faça a razão sua mestre, ela não consegue apaziguá-la. É assim que, frequentemente, enquanto deveríamos orar, uma multidão de estranhas imagens originárias de nossos maus pensamentos enchem nosso coração de clamores e que não chegamos de modo algum a rechaçá-las por nossos próprios meios. Donde não há dúvida que Bilha é uma comadre malvada. Da mesma forma, os afetos são sempre tão insaciáveis que a totalidade das emoções da afetividade, sua mestra, não bastam para estancar sua sede. A bebida que desejam beber os afetos é o prazer das delícias carnais, naturais e terrestres. Mais saboreiam, e maior é sua sede, pois o mundo inteiro não bastaria para preencher o apetite dos afetos. Eis porque, frequentemente, quando oramos ou refletimos sobre Deus e as coisas espirituais, gostaríamos de experimentar a doçura do amor em nossa afetividade sem todavia poder aí alcançar, pois estamos muito ocupados em alimentar a cobiça dos afetos. De fato, os afetos não cessam de reclamar com avidez, e nós estamos vulneráveis a eles por conta da carne. Donde não há dúvida que Zilpa está sempre embriagada e insaciável.

A princípio, Lia foi engravidada por Jacó e lhe deu sete descendentes. Zilpa foi engravidada por Jacó e lhe deu dois bastardos. Bilha foi engravidada por Jacó e lhe deu dois filhos, e Raquel foi engravidada por Jacó e lhe deu dois herdeiros. Da mesma forma, a afetividade fecundada pela graça de Deus procria sete virtudes, enquanto os afetos, fecundados pela graça de Deus, engendram dois. A princípio, a imaginação fecundada pela graça de Deus, dá nascimento a duas virtudes ou duas espécies de representações, enquanto a razão fecundada pela graça de Deus, dá igualmente duas virtudes. Os nomes destes filhos e suas virtudes correspondentes estão indicados no diagrama seguinte:

Jacó — Deus
Lia — Afetividade Raquel — Razão
Zilpa — Afetos Bilha — Imaginação
Descendência de Jacó e Zilpa Descendência de Jacó e Lia Descendência de Jacó e Raquel Descendência de Jacó e Bilha
Gad — Abstinência
Asher — Paciência
Rubens — Temor de Deus
Simeão — Dor do pecado
Levi — Esperança do perdão
Juda — Amor do deus de bondade
Issachar — Alegria da doçura interior
Zebulon — Perfeita aversão ao pecado
Dina — Vergonha ordenada ao pecado
José — Discernimento
Benjamim — Contemplação
Dan — Visão dos sofrimentos a vir
Nephtali — Visão das alegrias a vir

Este diagrama dá uma visão geral da filiação de Jacó, de suas esposas, de suas servas e de todos seus filhos. Resta ainda mostrar de que maneira eles foram engendrados e em que ordem. Começaremos pelos filhos de Lia da qual lemos que foram concebidos primeiro. Os filhos de Jacó e de Lia não designam nada mais que os afetos, ou emoções, bem ordenados da alma humana. Com efeito, se não estivessem bem ordenados, não seriam filhos de Jacó. Também os sete filhos de Lia são ao mesmo tempo virtudes, pois uma virtude nada mais é que uma afeção da alma ordenada a seu objeto e equilibrada. Por outro lado, uma afeção da alma é ordenada quando ela é conforme ao objeto correspondente, e ela é equilibrada quando ela é proporcionada àquele. As afeções da alma humana são às vezes ordenadas e proporcionadas a seu objeto, às vezes impróprias e desproporcionadas. Mas quando elas são ordenadas e proporcionadas, então elas contam entre os filhos de Jacó.