AGOSTINHO DE HIPONA — Bem-aventuranças
Relação com os sete dons do Espírito Santo
Excertos de Agostinho de Hipona, SERMÃO DA MONTANHA
Parece-me que as sete formas de ação do ((Espírito Santo, de que fala Isaías (11,2-3), concordam com esses sete graus das bem-aventuranças. Importa, porém, ter em conta a ordem da enumeração, pois o profeta começa a nomeá-los pelos mais excelentes, ao passo que aqui eles estão elencados pelos inferiores.
Isaías, com efeito, começa a sua enumeração pela sabedoria e termina pelo temor de Deus. Mas o princípio da sabedoria é o temor de Deus (Eclo 1,16). Assim, se gradualmente e como ascendendo nós os enumeramos, vemos que o primeiro dom é o temor de Deus; o segundo, a piedade; o terceiro, a ciência; o quarto, a fortaleza; o quinto, o conselho; o sexto, a inteligência; e o sétimo, a sabedoria.
O temor de Deus é próprio dos humildes, dos quais aqui se diz: “Bem-aventurados os pobres em espírito”; isto é, os que não são cheios de si e orgulhosos. A esses declara o Apóstolo: “Não te ensoberbeças, mas teme” (Rm 11,20).
A piedade convém aos mansos, porque aquele que com piedade investiga e honra as Escrituras Sagradas não critica o que ainda não compreende; e, portanto, não resiste a coisa alguma, o que constitui a virtude da mansidão. Daí se dizer: “Bem-aventurados os mansos”.
A ciência está em harmonia com os que choram, os quais conhecem agora, pelas Escrituras, em que duro cativeiro estavam aprisionados. Sem o saber, desejavam as algemas, como se fossem coisas boas e úteis. Por isso, é dito: “Bem-aventurados os que choram”.
A força convém aos que têm fome e sede. Eles trabalham anelando o gozo dos verdadeiros bens e desejando desapegar seu coração do afeto às coisas terrestres e materiais. Daí se dizer: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”.
O conselho corresponde aos misericordiosos. Com efeito, o único remédio para livrar-nos de tantos males é perdoarmos do mesmo modo como queremos ser perdoados; e ajudarmos os outros em tudo o que podemos, como desejamos ser ajudados em nossas incapacidades. Por esse motivo está dito: “Bem-aventurados os misericordiosos”.
A inteligência pertence aos que têm o coração puro, cujo olhar purificado pode chegar à contemplação. Ver “o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu” (Is 64,4; 1Cor 2,9). Deles está dito: “Bem-aventurados os puros de coração”.
A sabedoria convém aos pacíficos, em quem tudo já está em perfeita ordem. Neles, movimento algum de revolta levanta-se contra a razão, mas tudo obedece à parte espiritual do homem, como ele mesmo obedece a Deus. Desses está dito “Bem-aventurados os pacíficos”.