Beijo Batismo

Jean Daniélou — PLATONISMO E TEOLOGIA MÍSTICA
BeijoBatismo — Purificação
O simbolismo da Sarça Ardente para exprimir a entrada na Vida espiritual tem por equivalente, no Comentário sobre o Cântico, aquele do beijo, que aparece no primeiro versículo (Cant. 1,1). Esta equivalência aparece claramente na passagem que citamos há pouco onde a alma, depois de «ser separada» do mal «aproxima sua boca da fonte da luz para o beijo sacramental (ou místico) e se encontra lavada pela água da negritude da ignorância» (XLIV). Esta passagem é o paralelo exato daquele onde na página precedente o mesmo estágio é expresso em função da imaginária do Êxodo: «A passagem das trevas à luz é a primeira separação das ideias falsas e erradas sobre Deus» (XLIV). Assim estas diversas imagens: iluminação, ablução, beijo, exprimem nos contextos diferentes o mesmo mistério batismal.

A imagem do beijo todavia não se associa diretamente aos ritos do batismo, ao meno em nosso conhecimento. Mas ela não tem menos ressonâncias litúrgicas. Estas foram longamente expostas por F.-J. Dölger (Der Altarskuss, Ant. und Christ., II, 3, 1930, p. 190 sqq.). Trata-se do rito que consiste a beijar a pedra do altar e do qual a liturgia atual apresenta ainda numerosos empregos. O altar é aqui o símbolo do Cristo. Vemos que estamos muito próximos de nosso tema. Mas há mais. A aproximação do beijo do altar e do versículo do Cântico se encontra faz pelo Inocente III (De sacro ait. mysterio, II 15 ; P. L. CCXVII, 807): «Então o bispo se aproximando do altar o beija, significando por aí que o Cristo tem na sua vinda se uniu a Igreja segundo esta palavra do Cântico: “Que me beije de um beijo de sua boca”».

Este beijo figura em primeiro lugar a união do Verbo à Humanidade, a Encarnação. Encontramos este sentido em Gregório de Nissa (XLIV). Se encontrará em São Bernardo (In Cant. I,1). Isto nos lembra, o que dizemos mais alto, que o princípio de toda união da alma individual com o Verbo é a união do Verbo com a natureza humana. Pela encarnação, o Verbo santificou toda a massa humana, mas esta vida divina que é doravante como um fermento na humanidade, concebida como um só corpo, deve se propagar em cada um de seus membros. Eis aí o que operou pelo contato sacramental com o Cristo vivente na Igreja. O sacramento, o Batismo em particular é desde então a fonte única de toda iluminação e de toda virtude.

É este contato da alma com o Cristo pelo sacramento que figura em segundo lugar o beijo. Isto aparece em vários textos: «Como aquele que está unido ao Espírito se torna um espírito e que aquele que participa à vida passa da morte à vida, assim a alma virgem deseja aproximar sua boca da fonte da vida espiritual. A fonte é a boca do Esposo. Eis porque a alma quer aproximar sua boca da boca que expande a vida e diz: Que me beije de um beijo de sua boca. E aquele que expande a vida sobre todos que todos sejam salvos, deseja que nenhum destes que são são salvos não seja excluído da participação deste beijo. Este com efeito é purificador (katharsion) de toda mácula» (XLIV). As últimas palavras nos mostram bem que não se trata aqui da união mística, mas do contato com o Cristo que purifica (katharsion) dos pecados. Já salientamos esta palavra de katharsion a respeito da Sarça Ardente. Aqui como aí, estamos no umbral da vida espiritual. É notável que a purificação seja considerada como a consequência do contato com o Cristo. Isto nos põe desde o princípio em um mundo de mística cristã e não de ((katharsis natural.

Encontramos este simbolismo do beijo em um contexto batismal em uma outra passagem. Trata-se aqui do Filho Pródigo: «A seriedade de sua determinação faz seu pai acessível e o faz corre adiante para lhe dar um beijo (philema) no pescoço, o que significa o jugo do Espírito; o envolve também com o manto (kiton), não de uma outro manto, mas do primeiro, aquele que tinha sido despojado pela desobediência; o anel que lhe é reposto no dedo, pela figura gravada sobre a pedra, marca a recuperação da imagem (eikon); ele protege igualmente seus pés com os sapatos, a fim que aproximando da serpente seu calcanhar não seja exposto a suas mordidas» (XLIV). O simbolismo batismal da parábola se encontra alhures na antiguidade, assim em Tertuliano.

O que é notável neste texto, é o simbolismo batismal de todas as imagens. A túnica (kiton) figura a restauração da graça primitiva: encontramos as túnicas brancas dos batizados e sua significação como recuperação da incorruptibilidade original. Os sapatos aparecem aqui sob uma nova forma, como sapatos novos dados ao batizado. Ora sabemos que assim era depois do batismo e que o batizado não retomava seus antigos sapatos. A recuperação da imagem (eikon) é a essência do batismo que restaura a imagem de Deus na alma, quer dizer, nós o diremos, a vida sobrenatural. Enfim o beijo (philema) significa o sacramento em seu conjunto, como união com o Cristo.