Basilio Espirito Santo

Basílio de Cesaréia
“SOBRE O ESPIRITO SANTO”
(Caps. 9 e 18, P.G. 32, 108s; 148ss.; S.C. 17 bis — tradução Cirilo Folchs Gomes)

Sobre o Espírito Santo, examinemos quais são as nossas noções comuns, tanto as que sobre ele nos são colhidas da Escritura, como as que recebemos da tradição não escrita dos Padres.

Antes de tudo perguntamos: — Quem, ao ouvir os nomes do Espírito Santo, não sente elevar-se a alma e erguer-se o pensamento até à natureza suprema? Pois é dito o Espírito de Deus, Espírito da verdade, que procede do Pai, Espírito reto, Espírito régio.

Santo Espírito é sua apelação própria e peculiar, a qual indica o que há de mais incorpóreo e puro de toda composição e matéria. Eis por que o Senhor, ensinando à mulher que pensava adorar a Deus em determinado local, como se o Incorpóreo fosse redutível ao lugar, dizia-lhe: “Deus é Espírito”. Não aconteça pois que, ao ouvir falar do Espírito, imagine alguém uma natureza circunscrita, sujeita a mudanças e alterações, semelhante às criaturas. Não. Subindo em pensamento para o mais alto, há de pensar na essência inteligente e de infinito poder, de grandeza sem limites, insusceptível de medida por tempos e séculos, pródiga de seus próprios bens. É para ele que se volta tudo que tem carência de santidade. É para ele que tendem todos os seres que vivem segundo a virtude e dele recebem o hálito de vida, o auxílio necessário ao fim que a sua natureza lhes traçou. Ele aperfeiçoa todas as coisas, sem de nada precisar. Vivendo sem desgaste, é vivificante. Não cresce ou evolui, pois é por si imediatamente pleno e completo, estável em si mesmo, e em toda a parte presente.

Origem da santificação, luz que só a inteligência pode perceber e dá a toda potência racional como que o lume necessário à investigação da verdade. Inacessível por natureza, mas atingível por graça. Enchendo tudo por sua virtude, mas só participável pelos santos, aos quais não se dá por uma só medida, mas distribui a força conforme a proporção da fé. Simples na essência, múltiplo nas potências. Está todo em cada um e todo em toda parte. Distribuído sem nada sofrer, é participado sem perder a integridade. Como um raio de sol, cujo benefício desce ao que do mesmo usufrui como se fera esse o único, e ainda ilumina a terra e o mar e se mistura ao ar, assim também desce o Espírito a cada um dos que são capazes de recebê-lo, como a um único, mas infunde a todos a graça suficiente e integral. E é segundo a medida de cada coisa, e não segundo a medida de seu poder, que dele fruem todos os seres que dele participam.

A união do Espírito com a alma não é aproximação local (como te poderias avizinhar corporalmente do Incorpóreo?), mas o afastamento das paixões que se comunicaram à alma por sua amizade com a carne, e a afastaram de Deus. Aproximar-se do Paráclito é purificar-se da deformidade contraída pela maldade, é voltar à beleza nativa, como que devolvendo à imagem regia, depois de purificá-la, sua forma antiga. E ele, como o sei, achando o olhar purificado, mestrar-se-á em si mesmo a imagem do Invisível. Então, na bem-aventurada visão dessa imagem, verás a inefável beleza do Arquétipo.

Por ele se dá a ascensão dos corações, per ele os fracos são conduzidos, por ele se consuma a perfeição dos fortes. Iluminando os que estão puros de toda mancha, torna-os espirituais pela comunhão que têm consigo. E assim como os corpos transparentes, quando recebem um raio de luz, se tornam também luminosos, passando a emitir novo esplendor, assim as almas portadoras do Espírito, rebrilhando do Espírito, tornam-se por sua vez espirituais, e podem lançar a outras os seus próprios raios. Daí, a presciência do futuro, o entendimento dos mistérios, a visão do oculto, a variedade dos carismas, a vida celeste, o convívio dos coros angélicos, a infinita alegria, a perseverança em Deus, a semelhança com Deus, o superação de todo desejo, a divinização.

São estas, em resumo e em poucas palavras, as noções comuns que temos do Espírito Santo e que, a partir de suas próprias expressões, aprendemos a pensar sobre sua grandeza e dignidade, bem como sobre as operações que realiza.

Não há senão um só Deus Pai, um só Filho Unigênito, um só Espírito Santo. Nós enunciamos separadamente cada uma das hipóstases e, quando precisamos enumerá-las em conjunto não o fazemos de maneira que possa induzir a uma concepção politeísta.

Com efeito, não procedemos por adição, partindo da unidade e chegando à pluralidade, pois não dizemos: um, dois e três, nem: primeiro, segundo e terceiro. De um segundo Deus nunca se ouviu falar, pois adorando ao “Deus de Deus” estamos confessando a característica das hipóstases e permanecemos na “monarquia” sem fragmentar a “teologia”: em Deus Pai e em Deus Unigênito estamos contemplando como que uma só forma que se reflete, que se espelha no imutável da divindade. O Filho, com efeito, está no Pai e o Pai no Filho: este é ceme aquele e aquele como este, sendo assim uma só coisa. Por conseguinte, segundo a propriedade das Pessoas eles são um e outro, mas segundo a comunhão de natureza são uma só coisa.

Como não são deis Deuses, se são um e um? Da mesma forma que não dizemos dois reis quando consideramos o rei e sua imagem. Porque o poder não se duplica, a glória não se divide, e assim como nos submetemos a uma só autoridade e a um só poder, também a glória que lhes tributamos é única: a honra da imagem passa ao protótipo. Ora, o que a imagem é aqui por imitação, o Filho é (em Deus) por natureza. No campo da arte a semelhança se baseia na figura; na simplicidade da natureza divina, a unidade se funda na comunicação da divindade.

O Espírito Santo, igualmente, é Unidade e o designamos separadamente, mas ele se liga por meio da Unidade que é o Filho à Unidade que é o Pai, dando conclusão à bem-aventurada Trindade, digna de todo louvor. Sua intimidade com o Pai e o Filho se manifesta claramente pelo fato de não ser ele designado entre as criaturas mas à parte; ele não é uma unidade resultante da agregação de múltiplos elementos, mas é totalmente um, como o Pai e o Filho, achando-se portanto tão longe da natureza criada quão distante se acha a unidade, da composição e da multiplicidade. O Espírito Santo está tão estreitamente unido ao Pai e ao Filho quanto a Unidade à Unidade.

Aliás, a prova de sua comunhão de natureza decorre ainda do fato de ser dito “de Deus”, não como todas as coisas são “de Deus”, mas no sentido de que procede “de Deus” como o Sopro da divina boca, não por geração como o Filho. Por “boca” evidentemente não estamos falando de algo de corpóreo, nem, por “sopro” de uma exalação fugaz. . . Entenda-se a “boca” de um modo digno de Deus e o “sopro” como uma essência viva, apta para santificar. Exprime-se assim a intimidade divina do Espírito, ao mesmo tempo que se deixa inexpresso o modo próprio de seu subsistir.

Dizemo-lo ainda “Espírito de Cristo”, em razão de estar unido intimamente e naturalmente a Cristo. Assim, “se alguém não possui o Espírito de Cristo não é de Cristo” (Rm 8,9). Eis por que só o Espírito glorifica dignamente o Senhor: “Ele me glorificará”, disse Jesus (Jo 16,14), não como a criatura, mas como o Espírito da verdade, que faz resplandecer em si mesmo a Verdade, e como Espírito de sabedoria que revela, em sua majestade, o Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Como Paráclito, exprime em si a bondade do Paráclito que o enviou 5 e em sua própria dignidade mostra a grandeza daquele de quem procede. Há, pois, uma glória natural — como a luz, glória do sol — e uma glória extrínseca, livremente prestada aos seres que a merecem. Esta última é aliás de dois tipos: o Filho glorifica seu pai e o servo seu patrão, conforme diz o profeta 6. Uma, glória servil, prestada (a Deus) pela criatura; outra, dir-se-ia familiar, prestada pelo Espírito. Assim, o Senhor dizia de si mesmo: “Eu te glorifiquei sobre a terra, completando a obra que me confiaste” (Jo 17,4). E da mesma forma disse do Paráclito: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer” (Jo 16,14). O Filho é glorificado pelo Pai, que declara: “Eu o glorifiquei e o glorificarei ainda” (Jo 12,28). Da mesma forma o Espírito é glorificado pelo fato de estar em comunhão com o Pai e o Filho, e também conforme este testemunho do Unigênito: “todo pecado e blasfêmia vos será perdoado, mas a blasfêmia contra o Espírito não o será”.

Quando, sob o influxo de uma iluminação, fixamos os olhos na beleza da Imagem do Deus invisível e por ela nos elevamos à Contemplação do Arquétipo, lá está o Espírito de conhecimento, inseparavelmente presente, oferecendo em si o poder de ver a Imagem aos que amam a contemplação da Verdade. Ele não a faz manifestar-se como de fora, mas a mostra em si: “ninguém conhece o Pai senão o Filho” e também “ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão no Espírito Santo”. Note-se que não se diz: pelo Espírito, mas no Espírito. “Deus é Espírito e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade”, como ainda está escrito: “em tua luz veremos a luz”. Por outras palavras: na iluminação do Espírito veremos “a verdadeira luz que ilumina todo homem que vem ao mundo”. É em si mesmo que o Espírito mostra a glória do Filho único e é em si mesmo que concede aos verdadeiros adoradores o conhecimento de Deus.

O caminho do conhecimento de Deus vai portanto do Espírito, que é um, ao Filho que é um, ao Pai, que é um e, em sentido inverso, a bondade essencial, a santidade natural, a dignidade regia provêm do Pai, pelo Unigênito, até o Espírito. É assim que confessamos as hipóstases sem ferir a doutrina da monarquia.