LILLA CLEMENTE DE ALEXANDRIA GNOSE

Salvatore Lilla — Clemente de Alexandria

Pistis, Gnosis, Cosmologia e Teologia

A ideia de gnosis

O exame da visão de Clemente sobre a pistis e suas relações com a gnosis tornou claro o papel que atribui à última. Como se viu a gnosis indica, primeiramente, uma compreensão e conhecimento profundos das doutrinas cristãs que deve ser alcançado por meio de uma interpretação particular ou “demonstração” da Escritura. Só desta maneira é possível, na opinião de Clemente, alcançar aquela contemplação da mais alta divindade que ele denomina também gnosis e que representa a meta última de sua filosofia cristã.

Na concepção de gnosis de Clemente é possível distinguir dois estágios diferentes. Gnosis pode já ser alcançada pelo homem até certo ponto durante sua estadia na terra; mas chega a seu clímax depois da morte do corpo, quando a alma do gnostikos é permitida retornar a seu lugar original onde, depois de se tornar deus, pode desfrutar, em um repouso completo e perpétuo, a contemplação da mais alta divindade face a face, junto com os outros theoi.

A ideias subjacentes de ambos estes estágios de gnosis não podem ser totalmente apreciadas sem levar em conta as relações múltiplas com o meio cultural do Egito nos séculos II e III DC. A tradição platônica, a filosofia judaico-alexandrina, e o Gnosticismo cristão que tanto floresceu no Egito durante os primeiros séculos de nossa era combinam com a concepção de Clemente de gnosis e a influenciam ainda mais em seus mínimos detalhes: eles são de fato tanto as características e as cores de uma figura complexa que, entretanto, dá a impressão de unidade e coerência íntima com o observador.

A esses elementos constitutivos da gnosis de Clemente acadêmicos modernos geralmente quase não prestaram atenção, as únicas exceções parciais sendo representadas por Jean Daniélou e E. Baert. A seção presente visa portanto estudar a gnosis de Clemente pelo exame, primeiramente, de seu contexto cultural. A análise se aterá particularmente aos seguintes pontos:

  • esotericismo; simbolismo da Escritura; o segredo da tradição;
  • o papel do Logos como fonte e mestre da gnosis;
  • o ideal da vida contemplativa, em próxima conexão com a ideia de separação do mundo sensível e de comunhão com as realidades inteligíveis;
  • o papel das disciplinas encíclicas e da filosofia na construção da gnosis;
  • a interpretação alegórica do tabernáculo judeu e da entrada do Sumo Sacerdote no Santo dos Santos;
  • a Himmelsreise da alma “gnóstica” e sua deificação.

Os primeiros quatro pontos lidam com o primeiro estágio da gnosis, i.e. com a gnosis que o homem pode obter durante sua vida terrestre; o ponto sexto se preocupa com o segundo estágio da gnosis. i.e., com a gnosis que a alma possui depois de sua separação do corpo; o quinto ponto pode ser relacionado a ambos estágios da gnosis.