Aquino Resurrectio

São Tomás de Aquino e os efeitos da Ressurreição dos mortos
(encontrado na Internet sem referência ao autor)

“…o qual transformará o nosso corpo de humilhação para ser conforme o corpo da sua glória.” Fil 3:21.”

A doutrina cristã ensina que no último dia: “levantar-se-ão os que fizeram o bem, para a ressurreição da vida; os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação”. ( Jo 5,29). Com relação aos efeitos da ressurreição para todos os homens, alguns deles foram apontados por São Tomás de Aquino.

O primeiro, com relação à identidade dos corpos que ressurgirão: o mesmo que existe agora, ressurgirá. A mesma essência, porém, com novas qualidades. O apóstolo afirma: “convém que este corpo corruptível seja revestido da incorrupção”. (1Cor 15,33)

São Tomás para explicar teologicamente a identidade numérica do corpo ressuscitado com o corpo atual, e, por conseguinte, a identidade integral do homem atual com o homem que ressurgirá após a morte, no fim dos tempos, recorre à doutrina aristotélica da matéria e forma. Após a morte a alma conserva a relação transcendental com o corpo, e, como é ela, enquanto forma, que dá existência, vida e especificação ao corpo, ao unir-se novamente a ele pala ação miraculosa de Deus na ressurreição, não o pode fazer senão transmitindo-lhe a mesma existência, a mesma vida e as mesmas especificações que nela permaneciam virtualmente durante a separação. Pois nenhum dos princípios essenciais pode reduzir-se ao nada pela morte, já que a alma racional, que é a forma (substancial) do homem, permanece depois da morte, e já que a também permanece a matéria que esteve sujeita a tal forma com as mesmas dimensões que a faziam ser matéria individual.

A tradição apostólica ensina que o homem é corpo e alma. “O que é o homem senão um animal racional composto de corpo e alma? É a alma por si só o homem? Não, mas só a alma do homem. Seria o corpo chamado de homem? Não, ele é chamado o corpo do homem. Se nenhum dos dois casos é o homem, mas só aquele que é feito das duas partes juntas é chamado homem, Deus chamou homem à vida e ressurreição, Ele chamou não uma parte, mas o todo, que é corpo e alma”. (tratado Sobre Ressurreição, tradicionalmente atribuído a São Justino).

A união entre corpo e alma deve ser constituída de maneira tal que os atos genuinamente humanos não pertençam apenas à alma, e sim ao homem, ou seja, ao composto. Por isso, o homem consta unicamente da forma substancial e da matéria primeira. Pela mesma razão, o termo homem não deve ser enunciado com relação à alma ou ao corpo, mas tão somente com relação ao todo ou composto. Para entender esta doutrina é preciso atender à diferença entre união substancial e união acidental.

Acidental é a união que existe entre uma substância e seus acidentes ou propriedades, tais como o calor, o frio, a forma externa, etc.; substancial é aquela que se origina da composição de uma forma com uma matéria. A união substancial combina dois seres que, tomados em separado, são incompletos: só na união é que vêm a constituir seres completos. Por si mesmas, a matéria e a forma são incompletas, mas tão logo a forma atualiza a matéria, elas se tornam uma substância completa.

A matéria primeira, como pura potencialidade que é, aspira a ser atualizada pela forma; do contrário, ela permanece matéria e não chega a tornar-se corpo. Mas também a alma é um ser incompleto; seu grau de autonomia é demasiadamente imperfeito para poder expandir-se independentemente do corpo; e, uma vez separada deste, só torna a atingir sua perfeição natural após sua reunião com o corpo, o que permite exercer suas atividades por meio de órgãos corporais.

O segundo efeito da ressurreição refere-se à qualidade, por que os corpos ressurgidos terão outra qualidade que o atual, já que os corpos dos bons e dos maus serão incorruptíveis. Os corpos dos bons estão na glória para sempre; os dos maus, porém, para que eles sejam punidos, na pena eterna. Lê-se: “convém que este corpo corruptível seja revestido da incorrupção, e que este corpo mortal seja revestido da imortalidade” (1Cor 15,33). Porque os corpos serão incorruptíveis e imortais, não terão necessidade de alimento, nem usarão do sexo. Lê-se: “na ressurreição nem os homens terão mulheres, nem as mulheres terão maridos; mas serão como Anjos de Deus no Céu” (Mt 22,30).

O terceiro efeito refere-se à integridade, porque os bons e os maus ressurgirão em toda integridade da perfeição corpórea do homem: não haverá cego, nem coxo, nem ninguém com outro qualquer defeito. Escreve o Apóstolo que os “mortos ressurgirão incorruptíveis” (1Cor 15,52). Quanto à terceira consideração, é de saber que os bons receberão uma glória especial, os corpos serão da mesma natureza, mas de diferente glória, porque os santos terão os seus corpos glorificados por quatro qualidades:

A primeira é a claridade. Lê-se: “Os justos resplandecerão como o sol no reino de seu Pai” (Mt 13, 43). Trata-se do brilho redundante no corpo da suma felicidade da alma, de modo que haja nele uma certa comunicação da bem-aventurança da alma.

A segunda é a impassibilidade. Lê-se: “É semeado na ignonímia, ressurgirá na glória” (1Cor 15,43); e : “Deus tirará toda lágrima dos seus olhos; não haverá mais morte, nem luto, nem gemidos, nem dor” (Ap 21,4). A impassibilidade faz com que os corpos gloriosos não sejam passíveis de qualquer dor ou incômodo.

A terceira é a agilidade. Pela qual o corpo é facilmente movido para onde quer que a alma queira. Lê-se: “Os justos resplandecerão, e correrão como centelhas através da palha” (Sab 3,7).

A quarta, é a sutileza. Lê-se: “Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1Cor 15, 44). Não se queira entender isso como se todo corpo se transformasse em espírito, mas que estará totalmente submisso ao espírito. Deve-se entender aqui, o poder pelo qual o corpo submete-se ao império da alma, serve a esta e a obedece totalmente.

Quanto aos condenados, as qualidades são contrárias à dos beatificados, porque aqueles sofrerão a pena eterna. Os seus corpos possuirão quatro qualidades más. Serão obscuros, conforme se lê: “Os seus rostos serão como fisionomias inflamadas” (Is 13,8).

Serão passíveis, mas jamais corrompidos, pois arderão para sempre no fogo e nunca serão consumidos. Lê-se: “Os vermes nunca morrerão nos seus corpos, e o fogo neles nunca se extinguirá” (Is 66,24).

Serão pesados, porque as almas estarão como que acorrentadas. Lê-se: “Para prender os seus reis com grilhões” (Sl 149,8).

Como a glória eterna consiste essencialmente na visão da essência divina, direta , face a face (1Cor 13,12), imediata, intuitiva, todas as alegrias do Céu derivam desta. Como a inteligência humana por si mesma não pode ver a Deus, necessita de uma força especial que a eleve, uma graça criada que a disponha para visão eterna que é denominada lumen gloriae. A visão da essência divina não é compreensiva, mas apreensiva, isto é, apesar de haver intuição, a inteligência humana não esgota toda a realidade cognoscível de Deus. Assim como, a glória eterna consiste na visão de Deus e no pleno amor de Deus, a condenação, no inferno, consiste na ausência da visão de Deus e no ódio a Ele. À perfectissima charitas do céu, corresponde o perfectissimum odium do inferno. E a eternidade das penas do inferno decorreu da obstinação da vontade deles no ódio a Deus.

Fontes:
AQUINO, São Tomás de.Exposição sobre o Credo. Edições Loyola, 1981.
BOEHNER, Philotheus e GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. In São Tomás de Aquino, pág 468, ed. Vozes, 1995.