Apócrifo de Tiago – Sofrimento [KDNH]

O corpo da epístola (p. 2,39-15,5) desenvolve uma série de temas cujo vínculo interno nem sempre é evidente: a necessidade de ser “preenchido”, de chegar à plenitude espiritual; a prova e a perseguição, a “cruz” e a necessidade de assumir a morte; a fé no reino. Assim, por exemplo, a resposta a pergunta de Tiago permite ao Salvador ensinamento sobre o sofrimento (o martírio) dos discípulos:

…Eu lhe disse: “Senhor, nós podemos confiar em ti, se assim o desejas, pois deixamos nossos pais e nossas mães e nossas aldeias; nós te seguimos. Concede-nos, portanto, de não sermos provados pelo diabo mau”. Respondendo, disse o Senhor: “Qual seria a vossa recompensa se, cumprindo a vontade do Pai, vós não recebêsseis dele algum tipo de reparação, no momento em que fôsseis submetidos à prova por Satã? Mas se vós sois oprimidos por Satã e sois perseguidos e (ainda assim) cumpris a sua vontade, eu vos declaro: ele vos amará, ele fará de vós meus iguais e ele vos reconhecerá como já amados em sua providência, em virtude de nossa escolha deliberada. Não deixareis portanto de amar a carne e temer o sofrimento? Ou será que não sabeis que não fostes ainda maltratados e acusados injustamente, nem aprisionados, nem condenados ilegalmente, nem crucificados sem motivo, nem sepultados na areia (na terra?) como eu próprio, por instigação do Maligno? Vós ousais poupar a carne, vós, que o Espírito cerca como muro! Se vós refletísseis sobre o mundo, sobre todo o tempo em que ele existia antes que vós nele tenhais descido e sobre todo o tempo em que ele ainda sobreviverá a vós, deveríeis reconhecer que vossa vida equivale a um dia e vosso sofrimento a uma hora. Pois os bons não virão ao mundo. Desprezai portanto a morte e preocupai-vos com a vida! Lembrai-vos de minha cruz e de minha morte e vivereis!” (p. 4,23-5,35).

Como se pode constatar, o sofrimento é canalizado para o voluntarismo, uma de cujas consequências é o desprezo pela vida deste mundo. Essa aceitação heroica do martírio é muito antiga, expressando-se frequentemente nos Atos dos Mártires da Igreja primitiva.