Mais adiante, a epístola apresenta um interessante comentário sobre Mt 13,34 e Jo 16,25 a propósito do uso das parábolas. O Salvador apresenta aos discípulos duas parábolas sobre o reino dos céus:
Não deixeis desfalecer o reino dos céus. Pois ele se assemelha a ramo de tamareira cujos frutos caíram à sua volta. Ele fez brotar folhas que, tão logo cresceram, provocaram o ressecamento da matriz. O mesmo se dá com o fruto que se formou a partir de uma única e mesma raiz: depois que ela foi plantada, muitos (rebentos) produziram frutos. Agora, seria bom se tu pudesses (receber) para ti essas novas plantas (p. 7,22-35).
As duas parábolas são construídas em torno do termo “fruto” (karpos). A lição é a mesma: não se deve deixar que se perca o reino dos céus; cada ouvinte dessas parábolas, por seu turno, deve produzir novas plantas interiores. O texto prossegue enumerando as parábolas do Salvador. Explicando que foi obrigado a permanecer perto dos discípulos “por causa das parábolas”, diz o Senhor:
Vós me haveis forçado a permanecer perto de vós por dezoito meses ainda, por causa das parábolas. Isso (o discurso em parábolas) era suficiente para os homens. Eles entenderam o ensinamento e compreenderam “os pastores”, a “semente”, a “casa construída”, as “lâmpadas das virgens”, o “salário dos trabalhadores” e as “dracmas da mulher” (p. 8,4-10).
Ainda que a primeira parábola, a dos “pastores”, seja difícil de identificar (cf. Jo 10,11-13?), não pertencendo ao Novo Testamento, as outras mostram que o autor do texto e seus destinatários recebem as parábolas evangélicas como um dado familiar. Em contrapartida, a utilização dessas parábolas afasta-se do uso que delas fazem os canónicos, já que servem para ilustrar sobretudo a situação interior do gnóstico, único reino verdadeiro.
Duas outras parábolas tratam do mesmo tema. A primeira utiliza a imagem do grão semeado para descrever o Logos (do reino, cf. Mt 13,19):
Vinculai-vos ao Logos. Pois a condição primeira do Logos é a fé; a segunda é a caridade; a terceira são as obras; foi delas, com efeito, que surgiu a vida. Pois o Logos se assemelha a grão de trigo. Ao semeá-lo alguém depositou nele sua confiança; depois que o grão germinou, ele o ama, pois vê muitos frutos em lugar de um só; e, por ter trabalhado, foi salvo, pois transformou-o em alimento; e, ademais, ainda reservou grão para semear. É desse modo que vós podeis receber o reino dos céus. Recebendo-o pela gnose, vós podeis encontrá-lo. Por isso, vos digo: sede sóbrios (vigilantes) e não vos deixeis cair em erro (p. 8,10-29).
Essa imagem da espiga de trigo é retomada novamente na p. 12,20-31, onde os apóstolos são convidados mais uma vez a “se preencherem” com o reino interior e, por esse meio, a se “reconhecerem”:
Eu vos digo isto a fim de que vós vos conheçais. Pois o reino dos céus se assemelha a espiga de trigo que cresceu em campo e, chegada à maturidade, semeou seu fruto e novamente encheu o campo para outro ano. Vós também, apressai-vos em segar para vós uma espiga de trigo, a fim de serdes preenchidos pelo reino. (p. 14, 30-15, 5)