Redigida segundo o modelo das epístolas antigas, este tratado apresenta um tom familiar aos leitores do Novo Testamento, por seu vocabulário e por suas formas literárias, como as bem-aventuranças, as maldições, as ameaças, as parábolas, as profecias etc. Mas o escrito também é gnóstico, pois seus ecos bíblicos ilustram temas que não são os da literatura canónica, como, por exemplo, a importância do conhecimento (gnose) para a salvação, bem como os temas do sono, da embriaguez e da doença daqueles que não receberam a gnose.
Bom exemplo de livro apócrifo, Apócrifo de Tiago é atribuído a Tiago, que escreve a destinatário cujo nome é desconhecido, a não ser que se trate de Cerinto (cf. p. 18), já que o papiro mutilado permite ainda perceber um (Cerin)thos. Nesta segunda epístola que lhe endereça, Tiago relata a seu correspondente a conversação que ele e Pedro tiveram com o Salvador no espaço de tempo dos 550 (!) dias que separam a ressurreição da ascensão. O diálogo é construído segundo o gênero literário bastante conhecido na Antiguidade das perguntas (dos apóstolos) e respostas (do Salvador). Esse método literário é muito utilizado nos textos de Nag Hammadi (Apócrifo de João; Livro de Tomé o atleta; Evangelho de Maria; Apocalipse de Paulo; Primeiro Apocalipse de Tiago; Sabedoria de Jesus Cristo, entre outros), visando a transmitir uma revelação, geralmente secreta (apócrifa), a alguns iniciados. As perguntas não têm outra função senão a de suscitar o discurso do Salvador, permitindo-lhe expor a doutrina gnóstica, como mestre absoluto. Com efeito, Pedro intervém apenas duas vezes e Tiago quatro vezes nesse diálogo, o que demonstra claramente que suas perguntas são apenas pretexto para a transmissão magisterial da doutrina.
Embora o texto esteja mal conservado, a fórmula de endereçamento da epístola merece ser lida por seu sabor paulino (graça e paz):
(Paz da parte d’)a Paz, (Caridade da parte d’)a Caridade, Gr(aça da parte) da Graça, F(é da parte) da Fé, Vida da parte da Vida Santa (p. 1,2-8)
O Senhor chama Tiago e Pedro à parte (cf. Mc 5,37; 9,2; 14,33) e Tiago releva assim a importância e o segredo da mensagem recebida:
Já que tu me pediste um ensinamento secreto que me foi revelado, como também a Pedro, pelo Senhor, não pude recusá-lo, mas também não pude dizer-te de viva voz. Assim, eu o transcrevi em hebraico e enviei-o a ti, mas somente a ti. Mas, como tu és servidor da salvação dos santos, sê vigilante e abstém-te de transmitir a outros este escrito que o Salvador não quis transmitir sequer a nós todos, seus discípulos (p. 1,8-25).
Essa insistência no segredo da revelação e em sua expressão em língua tão sagrada quanto velada como o hebraico, bem como nos seus receptores privilegiados (note-se que Tiago é colocado antes de Pedro, cf. Gl 2,9), caracteriza boa parte da literatura gnóstica, reservada a uma elite de homens salvos, os “santos”.